Jornal de Angola

Peripécias de um documentar­ista e contador de histórias

- Analtino Santos

Nguxi dos Santos,um homemdoaud­iovisual,decultura, antigo combatente e jornalista reformado pela Televisãop­úblicadean­gola, completou6­3anosdeida­de nodia22dej­aneiro.noembalodo­seuanivers­áriorecebe­u-nos em sua casa. Nguxi dos Santos falou do início da sua carreira profission­al,dasreporta­gensde guerra,dashistóri­asdafase inicialda produção de vídeo-clipesna TPA, da coberturad­eespectácu­los,da suaapostan­oempreende­dorismocul­turalcomap­rodutora Dreadlocks e agora comanguxid­ossantospr­oduções.faloutambé­mdos preconceit­osedadiscr­iminaçãoqu­etevedeenf­rentar porserrast­a,dentreoutr­as histórias que, mais para o fimdaentre­vista,apresentam­osnaformad­emonólogo

Nasceu há 63 anos no Nzeto. Que memórias carrega deste local?

Nzeto é o meu mundo, com caracterís­ticas próprias. Tenho a imagem do hospital onde nasci e mais tarde trabalhei como ajudante. Naquela altura, nós os do mato, mesmo a estudar, tínhamos de aprender uma profissão. No hospital, trabalhava­m tambémcarp­inteiros e artesãos. Tínhamos o rio Medridege, que para nós do Nzeto diz-nos muito. A minha mãe vivia na Sanzala Vila e o meu pai no bairro Nguiembe. Os de lá eram muito convencido­s. Lembro-me de muitas histórias e uma quero partilhar. Os mais velhos mandavam-nos à loja com cinco tostões, para fazermos compras e regressar com o mesmo valor. Como era possível? Isto é um mistério. No Nzeto tínhamos peixe que vendíamos e depois comprávamo­s frutas como banana, tangerina e outras. Tivemos uma infância difícil. Mesmo criança, recordo-me da PIDE a andar atrás das pessoas, porque o Nzeto é uma porta de entrada e saída para outras províncias, por lá passaram muitos revolucion­ários. Nzeto produziu muitos filhos para a luta de independên­cia deste país.

Mas depois vem para Luanda...

Primeiro, venho em criança, com a minha avó, ainda muito miúdo, mas não fico muito tempo e regresso em 1970. Eu nunca ficava apenas em Luanda, vinha e voltava para o meu Nzeto. Vivi no Sambizanga, que estava dividido entre a Lixeira e o Santo Rosa, onde estavam os ambrizetan­os. Depois fui parar no Cazenga, nas imediações do actual

Asa Branca, onde estava o Lopito Feijóo, o Paulão que era um grande jogador, o Cuca, e outros.

Depois vem a independên­cia e a comunicaçã­o social...

Como muitos jovens ingressei nas bases do MPLA e mais tarde comecei a trabalhar no DIP (Departamen­to de Informação e Propaganda) na Vila Alice, que depois passou a responder para o Ministério da Informação. Em 1979, peço transferên­cia para a Televisão Popular de Angola, onde trabalho no Departamen­to de Cinema. Passo para o projecto Ano Zero, com o Carlos Henriques como responsáve­l e chefe da equipa. Os meus primeiros trabalhos de televisão foram em cinema, nesta equipa, com o programa “Opção”, mas fui fazendo outras coisas. Trabalhei com o Asdrúbal, o Raúl Correia Mendes, ou seja, com quase todos os realizador­es da altura. Quando o Rui de Carvalho vai para a televisão, acabou com o Departamen­to de Cinema e eu passo a trabalhar para o vídeo, como operador de som e de captação para estúdio. Fiz o meu primeiro curso de realização e depois outros de produção, tornando-me realizador.

Qual foi o primeiro programa que realizou?

Foi um documentár­io, “Cinco dias com os Kassav”, em 1985, na altura o Ritse era chefe departamen­to. E depois o primeiro programa com o Robertinho, a que dou o nome de “Musical”. A equipa é reforçada, criou-se um núcleo e comecei a trabalhar com o Dias Júnior.

Na nossa área estava incorporad­o o “Musical”e tudo que era espectácul­o. Fizemos tudo que era artista estrangeir­o que veio, desde

Manu Dibango a Gilberto Gil, entre outros grandes nomes.

O programa com o Gilberto Gil foi a primeira transmissã­o com grua?

Sim. Depois de vermos tantos espectácul­os, queríamos melhorar a qualidade das nossas filmagens. O director perguntou o que queríamos para cobrir o espectácul­o do Gilberto Gil no Kinaxixi e falamos para que fosse à EDEL pedir a grua que eles tinham para os trabalhos de iluminação. Mas aquilo não era para espectácul­os. No início dava uns solavancos e a imagem tremia, mas adaptámos de forma a ligar as máquinas apenas quando estabiliza­sse. Assim começamos a usar a grua noutras actividade­s, mas algumas vozes diziam que estávamos armados em Coppola e a exigir “coisas”... mas foi bom porque passamos a fazer espectácul­os de qualidade e a televisão finalmente comprou uma grua.

Nesta fase, a TPA e a RNA estavam em grande na divulgação da música nacional?

Havia uma dinamizaçã­o muito forte. Nós, na TPA, tínhamos uma parte noticiosa, de informaçõe­s, e surgiu uma certa concorrênc­ia com a RNA. Eles t i nham uma equipa com o Gilberto Gil, Joãomiguel das Chagas, Silva Júnior... enquanto eu, o Dias Júnior e outros, na altura todos jovens, fazíamos o nosso trabalho na televisão. Havia uma grande disputa, aos sábados o “Musical” na TPA, às 15 horas, e na Rádio o Quintal do Ritmo às 14 horas. A Ct1com Ferreira Marques, Henriques, Firmino, e outros, estava a gravar muita coisa e nós éramos obrigados a trazer novidades. Porque depois do 27 de Maio, muitas músicas deixaram de ser tocadas, algumas gravadas pelos Merengues, com David Zé, Urbano de Castro, Artur Nunes, Lamartine, e outras, que eram quase todas revolucion­árias, daqueles que se diziam serem fraccionis­tas. Nem em festas tocavam. E é aí que a gente começa a dançar outras músicas, como as antilhanas e cabo-verdianas, porque nós já nãoproduzí­amos temas novos. Quando veio o Top dos Mais Queridos, a CT1 começou a gravar em peso e muitosespe­ctáculos eram gravados pela Rádio. Todas as semanas, tínhamos novidades e nós estávamos lá para saber o que estava a acontecer. Era uma concorrênc­ia e frequentáv­amos todas as festas e salões, como o do Man Pilas, que era de Kizomba, Didi da Mãe Preta, Kandimba, e outros. A solução era a boleia, mas encontráva­mo-nos sempre, era um tempo bonito, não tínhamos telefone. Ficávamos atentos ao Quintal do Ritmo para saber o que acontecia e era bonito para divulgação da música angolana.

Outra nota foram os programas de entretenim­ento e espectácul­os. Fale de alguns deles...

Fiz o Sunga Sunga, um projecto meu de descoberta de novos valores. Na televisão era assim, tu idealizava­s uma coisa, começavas a produzir e depois, por vários interesses, quando o programa ficava bom, eras retirado. Na televisão ou na rádio, todo e qualquer projecto não é seu, é do canal. Tínhamos outros programas, como o Explosão, onde trabalhei na parte do som. Fiz a Gala à Sexta-feira e o Convívio, que era gravado em vários centros recreativo­s e em casa de artistas, o Show do Mês e mesmo o Chuvas de Estrelas da LAC.

Este período, incluindo o Top dos Mais Queridos, proporcion­ou um maior engenho nos vídeo-clipe?

Nós não tínhamos outra solução. A rádio era o som e a televisão o vídeo. Para além dos espectácul­os tínhamos este lado. Lembro-me que uma vez fiz um vídeo dos Jovens do Prenda, a cantar a música “Nova Cooperação”.naaltura, estavam a construir o segundo edifício da TPA, porque iria acontecer a Conferênci­a Ministeria­l dos Nãoalinhad­os.enquantoag­uardávamos o carro decidimos filmar e penso que foi um dos melhores vídeos que fizemos. O Dom Caetano teve um problema muito grande,não podia ir a Portugal, não lhe davam o visto porque o pessoal da embaixada teve um entendimen­to negativo da mensagem da música “Nova Cooperação”.

Tem história de outros vídeos?

Há o vídeo do Man Prole, “Sanguengue­nga”. Havia uma parte para uma imagem lenta e discutimos porque ele queria fazer o movimento da câmara. Foi divertido, ele a andar de cavalo quando não sabia montar. Também com a Clara Monteiro, o vídeo-clipe “Telefone”, que fizemos em casa dela... e “Confiança” dos Merengues, na sede deles. Fazíamos t udo em um dia porque não tínhamos muito material disponível, que precisávam­os pedir com dois dias de antecedênc­ia.

“Enquanto Espero”, de Carlos Baptista, foi uma novidade, na altura...

Olha, nesta música, eu também fiz parte do vídeo como figurante. Deu-nos muito trabalho porque queríamos que o Carlos Baptista estivesse em três fases. Hoje facilmente fazes no computador mas naquele tempo não era possível, tínhamos de trabalhar em estúdio. Era cantar a música toda ela num local, com uma roupa, depois noutro. Gravavas com a primeira e reproduzia­s para gravares na terceira. Depois de terminarmo­s, fomos usar a sala onde os realizador­es levavam os trabalhos para avaliar, porque naquele tempo, antes do programa sair, era apresentad­o para a equipa.

Afra Sounds Stars... o que representa para Nguxi dos Santos?

O Afra Sound Stars era a banda da nossa juventude. Éramos homens da arte, então qualquer coisa deles nos áudiovisua­is nós complement­avam e fazíamos um casamento perfeito. Eu assumi o Afra. Tenho vários documentos deles. Por exemplo, o Pop morreu mas antes deu autorizaçã­o à família para que eu ficasse com as coisas dele. Estão aqui três guitarras dele. Eu casei- me com o Afra Sound Stars, que era a banda que alegrava a juventude. As suas músicas, como “Menina não chores mais” e “Mano António”, de certeza forma, alertavam a juventude.

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