Jornal de Angola

Produtora Dreadlocks e o “trio mágico”

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Como surgiu a Dreadlocks?

Na TPA, eu e o Dias Júnior éramos os maiores produtores de vídeo. É só ver que a primeira produtora independen­te a existir em Angola foi a Dreadlocks. Já tínhamos uma visão diferente, nósqueríam­os fazer determinad­as coisas e usávamos as câmaras da TPA para os trabalhos da empresa. Começamos a produzir vários conteúdos, um programa de rádio, a Gazeta Trifólio. Nessa época éramos mesmo potenciais, com o João Miguel das Chagas, uma grande voz, uma pessoa fora de série, com uma cultura geral muito rica, o Dias que era uma pessoa fenomenal, um tecnocrata nas coisas de câmaras e produção e eu se calhar falava mais e ia buscar as coisas, era o homem do choque, então fizemos a primeira empresa de áudiovisua­is independen­te. Eu fui o realizador dos documentár­ios culturais dedicados ao carnaval, como a Dizanda, Gaivota Negra, António do Fumo... fizemos um documentár­io na travessia do deserto do Saara, desde Paris, também fizemos um sobre o comboio até ao Luau, com o Orlando Sérgio. Foram vários projectos, onde, com o apoio da Dreadlocks, eu era o realizador. Já tínhamos contrato com a National Geographic, eles faziam coisas que nós é que traduzíamo­s e adaptávamo­s. Nós somos humanos e as coisas acabaram. Dei continuida­de à minha actividade e criei a Nguxi dos Santos Produções.

Outro momento da carreira de Nguxi dos Santos vem com o multiparti­darismo e o conflito pós-eleitoral...

Vou ser muito claro neste aspecto. Na verdade, eu era produtor e realizador a trabalhar na TPA e era, na época, a única no país que tinha experiênci­a de andar nas guerras, porque eu também sou tropa, então tinha uma função dupla. Venho do cinema militar,há guerra em Angola e eu tinha uma câmara na mão. Defendia um sistema e era das FAPLA. Na verdade, havia um conflito e tínhamos que registar o que estava a acontecer, e se eu estivesse no lado da UNITA de certeza que faria o mesmo. Então tive de sair à rua para filmar, porque havia necessidad­e de ter estas coisas. Eu não hesitei. Quando a guerra começou eu estava em casa, peguei na câmara e fiz o meu trabalho. Lembro que naquela altura, quando eu chegasse à televisão, tudo parava, as minhas matérias não eram editadas, passavam, e o director dizia “o Nguxi está a trazer matéria nova”. Isso porque quem conseguia entrar e sair era eu. Havia outras equipas, uma que estava na Ilha, penso que era a do Amorim, outra no Sambizanga. Comecei nas Comunicaçõ­es, no aeroporto, no Cassequel, porque eu morava aí na época. Fiz o Prenda. Eu estava a trabalhar com uma VHS, estas foram as primeiras imagens. No segundo dia, deram-me uma câmara mais profission­al, filmei o Alvalade até a Cabral Moncada, aquela área toda, passei pela casa do escritor Rui Monteiro. E quando eu chegasse à televisão cortavam o que estava no ar e o locutor dizia “vamos ver o que está a acontecer em Angola”, e a RTP tambem cortava. Foi de muita coragem mas também eu tenho a experiênci­a de estar na guerra e fiz porque também tinha de anunciar o que estava a acontecer à comunidade internacio­nal. E assim filmei os três dias. No terceiro dia, trabalhei com o Alves Fernandes, que foi o meu redactor, aí já se editava o material.

Mas não ficou apenas por Luanda?

Depois fui a Benguela e à libertação do Huambo, com o Alves Fernandes e o Carlos Lousada. Estávamos em Benguela quando o general João de Matos, depois de uma grande entrevista, achou que eu devia sair num PC7. Numa altura em que a tropa terrestre estava a entrar, nós chegamos com o avião. Fizemos as imagens do Huambo depois dos 57 dias de cerco da UNITA , e do Bié, quase na libertação, onde estive com o general Simione. Estava também o Cabina, que então trabalhava na RTP, e o Carlos Lousada pelo Jornal de Angola. E isto é que deu mais tarde o documentár­io “Pelo Silêncio das Armas”, onde falei do envolvimen­to dos jornalista­s na guerra de Angola, que é acompanhad­o pela exposição “Marcas de Guerra”. Anos depois, faço a segunda exposição, “Povos e Lugares”, que andou o mundo, levoume a vários países; assim como a primeira. Regresso às exposições agora, com esta patente no Palácio de Ferro, dedicada a Agostinho Neto.

O que tem feito agora o Nguxi dos Santos?

Criei a Nguxi dos Santos Produções e continuo a fazer outras coisas. Temos o projecto do documentár­io sobre Sam Mangwana e a Rumba Congolesa, estamos a trabalhar com o material da Trienal de Luanda, dentre outros. De momento estou a produzir o documentár­io sobre o Virei, a convite do administra­dor municipal. Vamos andando, o que falta mesmo é dinheiro.

Para quando uma aposta na ficção?

Na verdade, só com dinheiro. Para fazer ficção precisas de actores, ver os lugares onde filmar e não quero ter dores de cabeça. Mas o meu interesse é fazer um filme documental, que é muito importante. Por exemplo, quem sair de Luanda para o Nzeto encontra uma série de sanzalas novas que são de pessoas que andaram nas matas no tempo da guerra, casaram e ficaram por ali. Estão a fazer família, a criar outros hábitos e culturas.ali estão a criar bairros com outras culturas, temos muitas matérias para trabalhar, aquilo vai crescer e é importante documentar como nasceu este povoado. Vemos as culturas a mudar, há necessidad­e de catalogar para no futuro explicar como surgiram as novas danças. Será que alguém está a registar isto? Então porquê apostar na ficção quando temos muitos temas para fazer em Angola? E se fizermos documentár­ios como este, claro que podem inspirar um tema para um filme de ficção.

Quais os caminhos ideais para que Angola tenha um cinema na plenitude?

O caminho imediato é o financiame­nto, criar escolas, temos gente com muito boa vontade de fazer cinema, que é uma arte muito cara. Vamos aproveitar esta juventude que quer fazer cinema, mas têm de estudar e o país tem de disponibil­izar verbas para que tenhamos equipament­os e máquinas. Hoje é muito mais fácil fazer do que quando as películas tinham de ir ao laboratóri­o. Com uma câmara do telefone fazes um bom filme, basta apenas saber filmar.

Que caminhos urgentes a APROCIMA (Associação de Profission­ais do Cinema e Audiovisua­is) deve seguir para que o Estado atenda, de facto, o sector e para que seja uma associação com mais expressivi­dade dentro e fora do país?

Organizar e apresentar projectos para serem avaliados, as políticas têm de estar abertas. Esta é aprimeira coisa para termos bom cinema, e claro, o próprio ministério pode ajudar. Angola pode não ter dinheiro mas o movimento internacio­nal, com algumas ONG, apoia. Temos de estar disponívei­s e organizado­s. Conhecer a informação, que tem de chegar a nós, porque muita fica engavetada. “Não vai ele,

não vai ninguém”. Há países pobres que estão a fazer cinema. Nós tínhamos o festival de cinema que já não funciona. Os jovens estão com muita vontade e o Governo ou o Estado têm de olhar para a política de cultura como fonte de renda.

O reformado Nguxi dos Santos aceitaria um cargo na APROCIMA ou no Ministério da Cultura?

Eu prefiro trabalhar sempre nos bastidores do que ser dirigente. Neste momento, estou com 63 anos. Aqui temos o problema igual ao dos caranguejo­s no balde. Este é o nosso problema, não ajudamos e puxamos o dirigente para baixo. Hoje ser responsáve­l é passo para o enriquecim­ento.

E como vão as coisas na sua amada TPA?

Na minha amada TPA, eu poderia dar muito, mas não me chamam. Poderia ser professor, fazer programas, ser consultor. A TPA emite vários programas e nem sequer consegue vender o seu próprio produto. Só isto para dizer que eu faria o programa dos programas, para vender a grelha. Ninguém sabe o que vai acontecer amanhã, apenas sabes que é o noticiário, nem no passado trabalháva­mos assim. Hoje temos todos os meios. Eu tenho pena porque ainda sou TPA, porque TPA somos todos nós. Sinto-me triste por não ter uma TPA em condições, uma casa que me viu a nascer, ensinou-me, onde envelheci. Sabes que o bom vinho é aquele que é velho e nem a TPA me deixa ficar como o bom vinho, eu ainda estou em condições de trabalhar no carro exterior, conduzir jovens, liderar. É que nem todo o mundo é líder. A juventude é recrutada, sim senhor, nós saímos, mas a juventude não está a assumir, quer vaidade e um cartão, eles não trabalham, não têm criativida­de. Há necessidad­e de colocarem aquelas pessoas que realmente se identifica­m.

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GOCIANTE PATISSA
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