Jornal de Angola

O programa censurado que ganhou o prémio da URTNA

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“O Tchipa vai fardado para a TPA, para saber o dia da gravação. Nós tínhamos tudo preparado, com plateia na sala. O Dias Júnior tirou a sua camisa e a deu ao Tchipa e um outro colega entregou-lhe a calça. Fizemos o show, odirector da áreatécnic­a entrou e encontrou a sala toda abarrotada de jovens. Em 198889 era difícil termos público na plateia. Ele informou que viu um militar a mexer nos equipament­os e isto custou a exoneração do chefe do departamen­to, Carlos de Oliveira.

Depois, precisávam­os completar o clipe da música “Ofeka Yetu”, a nossa terra está independen­te, e fomos filmar no Benfica, na zona do Museu da Escravatur­a. Na época era tudo capim. Na história, havia uma parte em que um militar com a mochila sai do combate para casa, perde-se na mata e vem uma pessoa que precisava colocar água no radiador do carro. O motorista olha e encontra um militar cansado, mas nós naquela altura não tínhamos ninguém para fazer este papel. Eu estava com a câmara, o Dias na direcção e a Tatiana, a nossa assistente, branca e filha do Simons, que na altura era director de programas.

Achamos que ela era a única pessoa que poderia aparecer a conduzir o c a r r o e pa r e c e q ue cometemos um erro político. Fizemos um enquadrame­nto onde ela abriu o capô para colocar água no radiador e quando olhou de lado estava um tropa de braços estendidos com sede. Então ela vai dar água ao Tchipa. Esta passagem do filme deu problema. O programa estava no ar, quando uns homens da segurança vão para a TPA e dizem que tínhamos de tirar o filme da emissão porque “havia tendências”. Mas nós não estávamos a ver o problema. No dia seguinte, na reunião, fomos todos punidos, tudo porque alegavam que uma branca não podia dar água a um preto e ainda mais um FAPLA. Risos .

Não conseguira­m tirar tais imagens do filme e como na época havia troca de programas entre países, mandaram para a URTNA (União das Rádios e Televisões Nacionais de África). O programa conquistou o primeiro lugar. A direcção da televisão ficou toda comprometi­da, por saber que muita gente foi sacrificad­a”.

Ser Rasta no tempo do Partido único

“Fui várias vezes preso, rapavamme o cabelo que depois crescia. Adirecção da televisãoa­té defendia-me mas fora diziam que éramos drogados e nem em casa de certas pessoas podíamos entrar. Éramos poucos com dreadlocks. Além daqueles que trabalhava­m no alto mar, havia um que estava no Lobito, eu, o Dias Júnior, o Óscar Alfama, depois o Rui e mais tarde o movimento com o Jah Isaac. Lembro que uma vez, fui ao Huambo como chefe de equipa da TPA e fui impedido de entrar no bar reservado para as nossas refeições, porque lá iam comer também os membros do MPLA. Mas hoje percebo, acabávamos de receber a independên­cia e nem todos estavam preparados para encarar a diferença”.

Cores subversiva­s

“No primeiro Fenacult, em 1989, eu e o Dias estávamos na equipa da TPA e fomos presos porque tínhamos chapéus com as cores da Jamaica. Apareceu a Polícia a dizer que não podíamos estar ali comcores subversiva­s. Tudo porque as cores eram mais ou menos as mesmas da bandeira da UNITA, mas não tínhamos ligação nenhuma com este partido, porque até eu era do MPLA e o Dias veio do São do Nicolau onde os pais estavam presos. Nós apenas éramos dreads e defendíamo­s aquilo que era a política do partido único”.

Ras Bar

“A comunidade Rasta sempre foi muito discrimina­da e, de certa forma, sacrificad­a. Então havia uma necessidad­e de termos um espaço nosso. Antes já havíamos feito uma festa Rasta no Paralelo, do Nelo, e é assim que depois faço o Ras Bar em minha casa no Cassenda. Era frequentad­o pelos Rastas e amigos e estava bem localizado. Enchia, era o que queríamos, um lugar para estarmos à vontade. Nessa altura também acolhi jovens militares e mutilados, uma média de quarenta elementos, que ficaram perto de vinte anos. Portanto, tive sempre em mente que a mão é para poder ajudar. O Rasta tem este principio. Também realizei o primeiro Festival de Reggae em Angola, o “Repensar África”, que aconteceu no cine Karl Marx”.

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