Naquela tarde de domingo
No segundo domingo do ano, 8 de Janeiro, o Osvaldo Trindade passou por cá para os kandandos de novo ano que se impunham, como é tradição, há muitos anos, na família.
O Orfeu Trindade fê-lo antes, no dia 24 de Dezembro, o penúltimo sábado do ano, dando os cumprimentos de fim de ano e desejando festas felizes e um ano novo cheio de prosperidade e com muita, muita saúde, pois é, neste momento, a nossa maior preocupação.
Isso de desejar votos de festas felizes e de um ano novo cheio de prosperidades, além de ser uma prática cultural da nossa sociedade, na minha família vem de muito longe. É uma tradição que vem dos avós, passando pelos tios.
O Osvaldo chegou no fim da manhã. Antes tinha participado da missa de Acção de Graças. Almoçamos ligeiramente e, depois da digestão, resolvemos dar uma volta à praia.
O nosso objectivo era começar o ano com um banho de mar, pois, segundo os entendidos em matéria de esoterismo, o sal daságuas marinhas é poderosíssimo para limpar e purificar a nossa áurea, afastando o mau olhado, a inveja, a calúnia e qualquer energia negativa que possa surgir nas nossas vidas, proveniente das nossas comunidades ou dos nossos círculos de relações.
Ali, defronte ao mar, na contra-costa,vendo as altas calemas rebentando nas pedras, a ouvir “Esquinas” de Djavan nos auriculares bluetooth, sentindo a maresia da tarde solarenta, enquanto comia uma picanha e bebia um refrigerante a estalar, a conversa com o Peterson fluía alegremente como uma torrente de emoções diversas. O diálogo gravitava em torno da Felicidade.
- É tão simples alcançar a eudaimonia! – pensei em voz alta.
Em 1993, quando frequentava o ensino médio, nas terras altas da Chela, o programa da disciplina de filosofia contemplava, na última unidade, o estudo das Escolas Moralistas. Entre elas, o Cepticismo, o Estoicismo e o Epicurismo. Epicuro, aquele que mais me impressionou, naquele tempo primaveril das descobertas académicas, dedicou grande parte do seu intelecto ao estudo do prazer.
Para este autor, o fim último do homem na terra era o alcance da Felicidade e ela, a Felicidade, alcançava-se pelo prazer e pela Amizade.
Epicuro entende que o bem reside no prazer. O prazer de que fala é o prazer do sábio, entendido como quietude da mente e o domínio sobre as emoções e, portanto, sobre si mesmo. É o prazer da justa medida e não dos excessos. É a própria natureza que nos informa que o prazer é um bem. Este prazer, entretanto, apenas satisfaz uma necessidade ou aquieta a dor.
A natureza conduz-nos a uma vida simples.
O único prazer é o prazer do corpo e o que se chama de prazer do espírito é apenas lembrança dos prazeres do corpo.
O mais alto prazer é o que chamamos de saúde. Entre os prazeres, Epicuro elege a amizade. Por isso, o convívio entre os estudiosos da sua doutrina era tão importante a ponto de viverem numa comunidade, “O Jardim”.
Ali, os amigos poderiam se dedicar à filosofia, cuja função principal era libertar o homem para uma vida melhor.
Ali, diante do mar imenso, a nossa Felicidade foi proporcionada por ingredientes simples: apenas, duas garrafas geladinhas de refrigerante, carne assada com jindungo, boa conversa – entre o passado, o presente e o futuro - e um cenário paradisíaco.
Mergulhamos. Como não sei nadar, embora tenha frequentado, na adolescência, a Chicala, a Salga e o Farol, limitei-me à beira, controlando as ondas que vinham morrer na areia.
A praia estava apinhada de jovens. Uns jogavam à bola e outros comiam e bebiam. O sol esquentava cada vez mais até atingir o clímax. O cenário estava bonito, dando certeza da renovação da vida.
O dia caía lentamente.a temperatura baixou bruscamente. O astro rei punha na água um vermelho escarlate de cortar a respiração. As formas artísticas que desenhava na tela celestial renovavam a esperança de quem desejava viver. Viver mais, com muita e boa saúde.
Uma energia positiva apossou-se de mim. Era a sensação de Felicidade. A mais pura Felicidade. Fruto da amizade e do prazer de um momento sublime feito de carne grelhada, gasosa fresca e muita e boa conversa.