Jornal de Angola

Eu, na qual e no que tange

- Arsénio Chilala

No que tangea esse negócio de escrever crónicas, tenho andado um tanto quanto desinspira­do. Outro dia mesmo, na redacção, o mano Cori abordou-me: “amigo Chilala, estás muito desapareci­do”. Respondi-lhe que tenho andado mesmo por aqui.

Mas ele retorquiu que queria dizer que eu andava desapareci­do das páginas das crónicas, onde, de quando em vez, aparecia com um texto tímido, à procura dum espaço ao lado dos grandes cronistas da casa.

Esclarecid­a que estava a questão, e um pouco envergonha­do por não andar a cumprir com meu “dever”, prometi ao mano Cori que voltaria a escrever, tão logo passasse a má fase de total falta de espírito criativo.

A verdade é que “eu, na qual” não sou um tarimbado como a mana Cauxeiro ou como um Osvaldo Gonçalves, ou Salas Neto, nem pouco mais ou menos como um Cuteta, escribas que num piscar de olhos, sacam da cartola uma daquelas crónicas que nos enchem a alma de tão saborosas que elas são.

Mas como o prometido é devido, aqui estou eu, com este ensaio, inspirado por “Eu, na qual e no que tange”, construçõe­s gramaticai­s que ultimament­e estão na boca da gente.

Tem-se dito que nós, os angolanos, até a copiar os outros, copiamos mal. Daí, vermos pessoas, que pelo canudo que ostentam ou pelo corte do fato que trazem vestidos, não deveriam começar seus discursos com “eu na qual”.

Como bem nos ensinou uma das rubricas d’os Tuneza, e passo a citar, “o português é difícil, mas se aprende”, fim de citação.

É claro que também não sou nenhum daqueles tipos, que acabados de sair ou, pior ainda, de ingressar na faculdade, até com as pobres mães é só já “no que tange”, “e no que concerne”, “visão holística” e termos do género. Preocupa-me, somente, que pessoas que tinham a obrigação de saber como e quando usar uma expressão como é o caso de “na qual”, não saibam usá- la, levando por arrasto aqueles que, por terem partido o lápis mais cedo, por razões que não vale a pena aqui destapar, deveriam aprender com os primeiros.

“Na qual”, se me permitem a explicação, usa-se para retomar, digamos o lugar de uma expressão antecedent­e (substantiv­o) com o objectivo de se evitar repeti-lo. Por exemplo, podemos dizer “a casa na qual eu vivia era enorme”.

Ora, como o caro leitor pode ver, na qual vem depois de substantiv­o e não de pronome pessoal (eu), tal como muito boa gente tem dito.

Espero bem que não me levem a mal, achando que estou armado em sabichão. O que me moveu para esta direcção de escrever uma crónica com carácter pedagógico, se assim se pode dizer, é mesmo só porque acho que os irmãos que falam “eu na qual” não o fazem por mal. Cada vez é porque nunca ninguém lhes avisou que assim está errado.

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