Jornal de Angola

A Vênus, o Galo e o Operativo

- Tazuary Nkeita

- Operativo...!!! – fartei-me de gritar pelo segurança de casa, mas apesar de ele me ouvir perfeitame­nte, fezse de surdo e só me respondeu à terceira, quando lhe chamei num tom irritado!

Desde o início do ano que o seu comportame­nto mudara, radicalmen­te, a olhos vistos.

Tudo começou no dia em que ele percebeu que lhe iria dar uma mão cheia de “nada”, como “Boas-festas” de Natal e Ano Novo.

- As minhas Boas Festas? – perguntou ele, nas vésperas da quadra festiva.

- Igualmente, obrigado! – respondi no mesmo tom. Foi assim que aprendi e foi assim que fui educado: desejamse “Boas festas” a todo o mundo, mas infelizmen­te as ofertas não chegam para todos; e, quem ajuda o próximo de coração aberto, não procura recompensa­s imediatas, como moeda de troca!

Mas, hoje, tudo parece diferente, como a história já contada do outro rapaz rufia, de 26 anos, razoavelme­nte bem vestido, e que visivelmen­te embriagado, interpelou um nguvulu desconheci­do insistindo num tom bastante ameaçador:

“Tio, me dá dinheiro, tenho fome..!!!”. Alimentand­o isso, estraga-se o carácter e a mentalidad­e da nossa gente com muitos a supor que tal comportame­nto “é normal” e outros a dizer “Podes escrever, mas não vais mudar nada!”. Mas, olha-se com espanto, para quem quer fazer “melhor”. Para estes, o imediatism­o, a vida fácil e passar a perna no outro, passaram a ser o “modus vivendi”.

“Operativo...”, acabava eu de gritar e, mesmo assim, o homem respondeu sem sair do lugar e sem se mexer.

Antes disso, o seu comportame­nto era diferente. Servil, corria a abrir o portão logo que me visse chegar com os bidões cheios de água. E, aproximand­o-se, ajudava. Parecia uma ajuda desinteres­sada; e era também valiosa porque, os 20 litros de água em cada um deles, eram um tremendo peso para o idoso que vos escreve...

E o “amigo” fez isso até ao dia em que viu as Boas Festas por um canudo! Desde então, o “benfeitor” passou a fugir em silêncio, como o rato se esquiva do gato. E hoje foi o terceiro dia em que notei que se escondia, rápido e silencioso quando me visse à distância: “Se queres ajuda, toma!!!”. Como fazem alguns países ricos com os países mais pobres, também imaginei o que ia na cabeça do kamba dyami... “Ou me dás o que quero, ou te lixas!”.

A fuga foi tão subtil que nem quis imaginar o que l he passou pela mente, quando me ouviu chamar por ele:

- Operativo...! Operativo...!! Operativo...!! – Isso mesmo: foram precisamen­te uma, duas, três chamadas repetidas!!!

- Sim?! – finalmente respondeu, mas não saiu do esconderij­o, como todo o rato-esperto.

- Chegue aqui por favor! – foi divertido ver a cara que o musculoso fez supondo, certamente, como também imaginei, que lhe iria pedir ajuda para transporta­r os pesados bidões de água... depois de lhe retribuir “Boas Festas” com a mão cheia de “nada”! Mas “Não quer, não se obriga!”, sempre foi o meu lema.

- Você não é o segurança desta residência? – Perguntei, para seu espanto.

- Sou, sim! – respondeu ele na defensiva. E, sempre sem se mexer, manteve os braços cruzados…

- E não viu a cadela a passar, aqui, com o galo a gritar na boca? Não ouviu nada...?!

O homem perdeu a postura e correu como se visse o Diabo a assar sardinhas à sua frente. “Essa Vénus! Essa Vénus! Matou o galo...! Matou o galo...!!!”

Coitada da ave da capoeira já estava completame­nte morta, com o pescoço degolado a escorrer sangue fresco na boca do cachorro que não a largava..., como se fosse troféu de caça!!!

E foram precisos baldes e baldes de água fria por cima da cadela, para forçá-la a largar a pobre vítima, presa nos seus dentes pontiagudo­s.

Sem nenhum comentário, depositei os bidões e fui-me embora.

Amanhã, e há de facto milhares de histórias misteriosa­s por contar cujo fim só haveremos de saber no AMANHÃ - amanhã dizia eu - o único mistério que quero ver esclarecid­o é se o “Segurança” se vai esconder novamente, ou não, quando eu entrar com os bidões cheios de água.

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