Jornalista Do Ponto de Vista
Se há pessoas que nasceram para encarnar a desonestidade, Do Ponto de Vista estará certamente entre elas.
Até alguma sociedade, induzida e consumista, achava Do Ponto de Vista o ícone do jornalismo.
- Nãovês que ele fala verdade?
Assim, a lagartixa transmutava-se num ridículo dinossauro. Entre pares, jornalista algum o suportava. Encheu-se da arrogância de estrela e se fazia notícia da notícia. Sensacionalista sem escrúpulos, seria capaz de fotografar as suas próprias cuecas e noticiar como se fossem do CR7.
Por falar em CR7, Do Ponto de Vista foi fortuitamente acompanhar uma partida de futebol de um girabairro também aí, por o Belito da Popa, seu cunhado, ter sido finalmente convocado.
Sentia- se em dívida com o seu cunhado, com quem mantinha uma relação de mútuo interesse assumido. Perdia- se de paixões pela irmã mais nova daquele fracassado jogador de futebol.
- Meumano,fazsóos baixos.queroficarcoma tuairmã!dopontodevista geral,nãotevaisarrepender! – pediu Do Ponto de Vista, sonhando já com os atributos da agora sua mulher.
Do jogador de futebol recebeu a garantia de apoio.
- Minhairmã,essejornalistatemfuturo.seique éfeio,testudoetudo,mas elepodeseroteumundo. Aproveitaocheque,minha ndengue.
Ouvido esse incentivo do irmão, Anita dissimulou caimentos nos galanteios do jornalista e correspondeu a um amor que não sentia. O milagre do matrimónio atracou neles.
Portanto, fazer favores ao seu cunhado significava confeccionar agrados para a manutenção do seu doce lar.
Naquele dia, sendo um jogador fraco, tinha sorte se acabasse no banco dos suplentes. De nada valeu o seu cunhado ter pressionado o treinador com truques de escalar a equipa em prognósticos de imprensa dias antes do jogo:
- Seja qual for o esquema ou variante; 4X4X2, 3X5X2, 4X5X1, o Belito da Popa é fundamental para a vitória da sua equipa. O hábil treinador conhece a competência e sabe que, se quiser ganhar, o Belito da Popa deve estar no onze. – induzia o jornalista, entretanto ignorado com bastante sucesso. O seu cunhado não coube no onze.
Ofendido pela petulância do técnico, que ganhou por 7X0, Do Ponto de Vista criticou severamente o treinador, tendo-o considerado o elo mais fraco da goleada. Sobre o seu cunhado, não foi anedótico ter escrito:
- “… mesmonãotendo entradoemcamponos9 0 minutosdejogo,adeptos eclassejornalísticaque cobriuojogoconsideraram-noomelhorjogador emcampo.
Dopontodevistade quemassistiuojogo,compreende-seporquêque umsuplentenãoutilizado foiindicadopormuitos comoomelhorjogadorem campo.asuacompetência nobancodinamizouamovimentaçãoeocupação dosespaçosdosseuscolegasnojogo,oquedispensouasuaentradaem campo,poisasuainfluênciafoimuitomaiorfora dasquatrolinhas.”
Na sua mania de perseguir desgraças, foi surpreendido por um facto. Freelancer de renome, quando coscuvilhou que um indivíduo tinha sido apanhado, pela esposa, com outra mulher em casa, mobilizou a televisão para transmitir em directo o desenlace. Qual vida privada, qual quê!
Já no local, viu uma mulher fora de casa agredindo a porta, pedindo para entrar, mas sem maneiras, recorrendo a uma linguagem vulgar e rasca. Percebeu que era a traída.
Arrastador nato de telespectadores, Do Ponto de Vista transmitia em directo, inflamando nos gestos e palavras, alimentando a violência. Claro que fingia, e muito bem, alguma discordância com a violência. E reportava:
- Dopontodevistado amor,nadajustificauma provávelviolênciaverbal queestamosaouvirdaesposatraída.elaestáforade si.dopontodevistamoral, nãoéconcebívelquesediga tantabarbaridadeporcausa deumsimplesadultério. Carostelespectadores,sinto ocheirodaviolência.se elacontinuarcomessafacúndia,correoriscodeser respondidanamesmaproporçãopeloseuesposo,que podetambémresponder comviolência.
Carostelespectadores, parecequeoesposodessa malogradasedelicioucom alguma carnereligiosamentecondenável.apreciemovultodoinfieldentro decasa!vejamemexclusivo,pelanossacâmara, comoohomemsesente encurralado.eissopode geraralgumaviolência, porqueanimalalgumgosta desesentirencurralado.
Dentro de casa, o vulto masculino movia-se pra lá e pra cá. Uma única porta e uma única janela não permitiam certamente ao adúltero livrar-se da prova do adultério sem dar nas vistas.
Quando finalmente a dona do marido conseguiu arrombar a porta, diga-se com a ajuda do repórter, foi impedida de entrar pelo esposo.
- Voumostraraessatua bandidaquemaridodaoutranãoécomida!medeixa entrar,seucabrão…
Envolveram-se numa luta corpo a corpo bastante renhida. Ela procurando entrar e ele, meio embriagado, impedindo-a.bassulados, no chão testaram forças e chapadas em mútuas proporções.
- Dessepontodevista, vejamcomooamorpode serviolento.vejamtelespectadorescomoocasal reageaumsupostoadultério!infelizmente,vocês nãopodemsentirocheiro deálcoolquefazbrilharo esposoflagradopelaesposa. Assistamesseespectáculo sóproporcionadopelovosso amigoerepórterdoponto devista,assimpopularmentealcunhadoporvós.
Asseverava ao microfone o repórter muito enérgico. Mas isso não parecia ser suficiente. A atenção dos presentes estava centrada nessa disputa do casal. Por isso, chamou o repórter de imagem para o seguir e entraram a socapa na pequena casa de quarto e sala. Perseguia o furo de entrevistar a prova do adultério. A mulher que teria levado o homem a trair a sua esposa. Estacionaram na umbreira da porta, mas já no seu interior.
Do quarto, os dois viram sair uma linda mulher, com um laço de menina virgem preso no cabelo em desalinho. Sem pinturas. Meio atrapalhada nos gestos, a mulher divertia-se com aquele cenário. Os seus olhos, desorbitados, brilhavam intensamente, como brilhava o seu corpo coberto por uma bata vermelha menstruação.
Com passo ágil e gracioso, a prova do adultério chegou-se ao petrificado Do Ponto de Vista, seduzido pela esplendorosa imagem daquela jovem exageradamente bonita e cheirando a pecado. Olhavam-se com o coração. O operador de câmara, ora filmando o repórter, ora a mulher, não perdia um segundo daqueles ângulos imortais. Provavelmente, os telespectadores também não piscavam os olhos.
Recuperou o fôlego e, com o microfone em punho, em posição de entrevistador, Do Ponto de Vista disparou:
Anita,suabandidadumafiga,afinalévocêaprova doadultério?
Do Ponto de Vista, o repórter que transmitia em directo uma cena de violência gerada por um acto de adultério, partiu ele próprio para a pancadaria física e verbal contra a potencial entrevistada, depois de ter ouvido a resposta pela boca dela, notoriamente embriagada:
- Dopontodevistada nossarelação,ésumgranda corno! – rematou na ocasião a amada esposa do repórter ensopado em despeito e espumando de ódio.