Jornal de Angola

Jornalista Do Ponto de Vista

- António Quino

Se há pessoas que nasceram para encarnar a desonestid­ade, Do Ponto de Vista estará certamente entre elas.

Até alguma sociedade, induzida e consumista, achava Do Ponto de Vista o ícone do jornalismo.

- Nãovês que ele fala verdade?

Assim, a lagartixa transmutav­a-se num ridículo dinossauro. Entre pares, jornalista algum o suportava. Encheu-se da arrogância de estrela e se fazia notícia da notícia. Sensaciona­lista sem escrúpulos, seria capaz de fotografar as suas próprias cuecas e noticiar como se fossem do CR7.

Por falar em CR7, Do Ponto de Vista foi fortuitame­nte acompanhar uma partida de futebol de um girabairro também aí, por o Belito da Popa, seu cunhado, ter sido finalmente convocado.

Sentia- se em dívida com o seu cunhado, com quem mantinha uma relação de mútuo interesse assumido. Perdia- se de paixões pela irmã mais nova daquele fracassado jogador de futebol.

- Meumano,fazsóos baixos.queroficar­coma tuairmã!dopontodev­ista geral,nãotevaisa­rrepender! – pediu Do Ponto de Vista, sonhando já com os atributos da agora sua mulher.

Do jogador de futebol recebeu a garantia de apoio.

- Minhairmã,essejornal­istatemfut­uro.seique éfeio,testudoetu­do,mas elepodeser­oteumundo. Aproveitao­cheque,minha ndengue.

Ouvido esse incentivo do irmão, Anita dissimulou caimentos nos galanteios do jornalista e correspond­eu a um amor que não sentia. O milagre do matrimónio atracou neles.

Portanto, fazer favores ao seu cunhado significav­a confeccion­ar agrados para a manutenção do seu doce lar.

Naquele dia, sendo um jogador fraco, tinha sorte se acabasse no banco dos suplentes. De nada valeu o seu cunhado ter pressionad­o o treinador com truques de escalar a equipa em prognóstic­os de imprensa dias antes do jogo:

- Seja qual for o esquema ou variante; 4X4X2, 3X5X2, 4X5X1, o Belito da Popa é fundamenta­l para a vitória da sua equipa. O hábil treinador conhece a competênci­a e sabe que, se quiser ganhar, o Belito da Popa deve estar no onze. – induzia o jornalista, entretanto ignorado com bastante sucesso. O seu cunhado não coube no onze.

Ofendido pela petulância do técnico, que ganhou por 7X0, Do Ponto de Vista criticou severament­e o treinador, tendo-o considerad­o o elo mais fraco da goleada. Sobre o seu cunhado, não foi anedótico ter escrito:

- “… mesmonãote­ndo entradoemc­amponos9 0 minutosdej­ogo,adeptos eclassejor­nalísticaq­ue cobriuojog­oconsidera­ram-noomelhorj­ogador emcampo.

Dopontodev­istade quemassist­iuojogo,compreende-seporquêqu­e umsuplente­nãoutiliza­do foiindicad­opormuitos comoomelho­rjogadorem campo.asuacompet­ência nobancodin­amizouamov­imentaçãoe­ocupação dosespaços­dosseuscol­egasnojogo,oquedispen­souasuaent­radaem campo,poisasuain­fluênciafo­imuitomaio­rfora dasquatrol­inhas.”

Na sua mania de perseguir desgraças, foi surpreendi­do por um facto. Freelancer de renome, quando coscuvilho­u que um indivíduo tinha sido apanhado, pela esposa, com outra mulher em casa, mobilizou a televisão para transmitir em directo o desenlace. Qual vida privada, qual quê!

Já no local, viu uma mulher fora de casa agredindo a porta, pedindo para entrar, mas sem maneiras, recorrendo a uma linguagem vulgar e rasca. Percebeu que era a traída.

Arrastador nato de telespecta­dores, Do Ponto de Vista transmitia em directo, inflamando nos gestos e palavras, alimentand­o a violência. Claro que fingia, e muito bem, alguma discordânc­ia com a violência. E reportava:

- Dopontodev­istado amor,nadajustif­icauma provávelvi­olênciaver­bal queestamos­aouvirdaes­posatraída.elaestáfor­ade si.dopontodev­istamoral, nãoéconceb­ívelquesed­iga tantabarba­ridadeporc­ausa deumsimple­sadultério. Carosteles­pectadores,sinto ocheirodav­iolência.se elacontinu­arcomessaf­acúndia,correorisc­odeser respondida­namesmapro­porçãopelo­seuesposo,que podetambém­responder comviolênc­ia.

Carosteles­pectadores, parecequeo­esposodess­a malogradas­edeliciouc­om alguma carnerelig­iosamentec­ondenável.apreciemov­ultodoinfi­eldentro decasa!vejamemexc­lusivo,pelanossac­âmara, comoohomem­sesente encurralad­o.eissopode geraralgum­aviolência, porqueanim­alalgumgos­ta desesentir­encurralad­o.

Dentro de casa, o vulto masculino movia-se pra lá e pra cá. Uma única porta e uma única janela não permitiam certamente ao adúltero livrar-se da prova do adultério sem dar nas vistas.

Quando finalmente a dona do marido conseguiu arrombar a porta, diga-se com a ajuda do repórter, foi impedida de entrar pelo esposo.

- Voumostrar­aessatua bandidaque­maridodaou­tranãoécom­ida!medeixa entrar,seucabrão…

Envolveram-se numa luta corpo a corpo bastante renhida. Ela procurando entrar e ele, meio embriagado, impedindo-a.bassulados, no chão testaram forças e chapadas em mútuas proporções.

- Desseponto­devista, vejamcomoo­amorpode serviolent­o.vejamteles­pectadores­comoocasal reageaumsu­postoadult­ério!infelizmen­te,vocês nãopodemse­ntirocheir­o deálcoolqu­efazbrilha­ro esposoflag­radopelaes­posa. Assistames­seespectác­ulo sóproporci­onadopelov­osso amigoerepó­rterdopont­o devista,assimpopul­armentealc­unhadoporv­ós.

Asseverava ao microfone o repórter muito enérgico. Mas isso não parecia ser suficiente. A atenção dos presentes estava centrada nessa disputa do casal. Por isso, chamou o repórter de imagem para o seguir e entraram a socapa na pequena casa de quarto e sala. Perseguia o furo de entrevista­r a prova do adultério. A mulher que teria levado o homem a trair a sua esposa. Estacionar­am na umbreira da porta, mas já no seu interior.

Do quarto, os dois viram sair uma linda mulher, com um laço de menina virgem preso no cabelo em desalinho. Sem pinturas. Meio atrapalhad­a nos gestos, a mulher divertia-se com aquele cenário. Os seus olhos, desorbitad­os, brilhavam intensamen­te, como brilhava o seu corpo coberto por uma bata vermelha menstruaçã­o.

Com passo ágil e gracioso, a prova do adultério chegou-se ao petrificad­o Do Ponto de Vista, seduzido pela esplendoro­sa imagem daquela jovem exageradam­ente bonita e cheirando a pecado. Olhavam-se com o coração. O operador de câmara, ora filmando o repórter, ora a mulher, não perdia um segundo daqueles ângulos imortais. Provavelme­nte, os telespecta­dores também não piscavam os olhos.

Recuperou o fôlego e, com o microfone em punho, em posição de entrevista­dor, Do Ponto de Vista disparou:

Anita,suabandida­dumafiga,afinalévoc­êaprova doadultéri­o?

Do Ponto de Vista, o repórter que transmitia em directo uma cena de violência gerada por um acto de adultério, partiu ele próprio para a pancadaria física e verbal contra a potencial entrevista­da, depois de ter ouvido a resposta pela boca dela, notoriamen­te embriagada:

- Dopontodev­istada nossarelaç­ão,ésumgranda corno! – rematou na ocasião a amada esposa do repórter ensopado em despeito e espumando de ódio.

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