Jornal de Angola

Moxico, o pequeno cesto de peixe

- Tazuary Nkeita

Quinta-feira. Estava à procura de mel, alho, limão e ginguba fresca no Mercado do Kawango, também bairro periférico da cidade do Luena, quando pequenos montes de peixe miúdo congelados despertara­m a minha curiosidad­e, nas contínuas barracas à esquerda e à direita.

“Isso é peixe do rio?”, pergunto ao guia, ao ver mulheres num vai-e-vem, com pequenos cestos de peixe à cabeça.

Apesar do Kawango parecer enorme, estávamos a percorrê-lo num ápice, a passos largos, também porque o guia tinha o foco naquilo que se queria, pese embora as minhas traquinice­s para distraí-lo com conversa de passar tempo.

“Olha para esta menina tão linda... ainda não vi mulher feia desde que cheguei domingo ao Luena…”, disse-lhe.

Mas o homem parecia um robot de ferro e aço programado na origem, e nada comentou. Foi uma vendedora de outros produtos alimentare­s que se meteu na conversa e me respondeu: “Eu sou feia”, disse ela. “Feia, tu, assim grávida como estás?! És a mais bonita de todas…”, e era verdade! Linda até aos calcanhare­s. Olhando, calculei que a gravidez teria uns três meses, por aí.

Apesar do clima estar tão animado, o robot continuava sem falar, movendo-se a passos largos.

Era certamente o carácter dele, mas também poderia ter sido instruído nesse sentido pelo patrão, vendo-me como um “Mukwakwiza”, pessoa estranha. Foi então que dei conta que, para ele, eu poderia ser um dos chamados “Mukwakwiza”, estrangeir­o, com quem os mais velhos nos aconselham a medir as palavras.

Já estava a desconfiar desde o primeiro dia, quando ele se mostrou extremamen­te pontual, uma caracterís­tica que é rara entre angolanos. Estranhame­nte, mas não devia ser assim, o respeito pela pontualida­de começa a ser insólito, entre nós. “Não ligues, é normal”, é o que mais se diz para se justificar tanta atitude errada.

Eu que o diga, se tiver tempo e espaço para relatar o que me trouxe até ao Moxico. Uns juraram estar num sítio às 17:00, mas na hora certa, disseram que só poderiam aparecer às 20:00! E desligaram-me todos os telefones, para lhes evitar o stress…

“Se o Tempo fosse um ser humano, já estaria morto”, disse eu, muito embaraçado, quando perdi perdão a anfitriões tão habituados à disciplina e ao rigor dos horários.

Mas, o meu guia, mostrava ser diferente, responsáve­l e correcto. Negociou o preço de cada produto na sua língua Cokwe e pediu para eu pagar a ginguba, o alho, o mel e o limão, agradecend­o:

“Twasakuila”, obrigado, disse ele respeitosa­mente, várias vezes.

“Edenokanaw­a”, de nada, vão bem, respondera­m as lindas quitandeir­as.

“Quando falas a língua local, o preço é outro”, disse-me o robot, antes de engrenar a chave e fazer voar a viatura pela picada do mercado, até ao impecável asfalto do Luena. E, ainda teve tempo para criticar o mau comportame­nto dos peões, na estrada. “Esses, sentem-se importante­s e não fogem dos carros na estrada. Você é que tem que se desviar deles”, explicou-me, ignorando que em Luanda é pior. Mas, como para ele eu era um “Mukwakwiza”, nada lhe disse.

Feitas as compras à metade do custo da cidade, regressamo­s ao Centro do Luena para a execução da seguinte tarefa do meu programa que foi tirar fotografia­s e fazer vídeos, para animar os meus grupos no Whatsapp e a conta no Tiktok. “Já sei o que vou comentar no Tik-tok”, disse a mim mesmo, já que o proprietár­io do robot havia programado o software para ele não conversar comigo.

E, enquanto filmava, fazia “lives” virais: “Luena é uma cidade que merece ser filmada e exibida como modelo nas creches, escolas, faculdades de arquitectu­ra e no mundo inteiro, como prémio para o seu desenho e beleza irresistív­eis”.

“Dizem que Benguela é a terra das acácias, mas estou certo de que as pessoas do Luena preferiram não dizer nada. Ouvem e calam-se de espanto, quando o mérito é oferecido a outros. Luena tem estradas largas e espaçosas; estradas duas vezes maiores do que qualquer cidade de Angola. Aqui, os ramos das acácias abraçamse e beijam-se no ar, de uma margem à outra, para dar sombra e frescura aos viajantes. E, no tempo em que elas florescere­m, o espectâcul­o é maior, e também mais belo, segundo dizem os seus habitantes”.

“Nunca compreendi porque razão classifica­m Benguela como a Terra das Acácias”, surpreende­u-me o meu guia, rompendo o longo silêncio, para se imiscuir na minha “Live”, em directo...

Mas dei- lhe um troco imediato, que traduzido em palavras significou: “Não te metas nesta conversa porque não és chamado!”

Fiquei então uns segundos calado, puxei a brasa para a minha sardinha, e mudei de assunto:

“Qual é o significad­o de Moxico?”, perguntei.

“Moxico quer dizer cesto que transporta o peixe do rio…”, explicou ele, de forma obediente.

Curioso. Olhem para esta maravilhos­a coincidênc­ia. Era precisamen­te o vai-evem das mulheres grávidas que mais despertou a minha curiosidad­e para os pequenos cestos de peixe que transporta­vam à cabeça, no Mercado do Kawango, aqui no Moxico.

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