Jornal de Angola

A "pergunta de um milhão" sobre as eleições na África do Sul

- Adebayo Vunge

Qual será a aliança do ANC? Com a minoria branca ou com Malema?

A África do Sul celebra, este ano, o trigésimo aniversári­o desde à realização, em 1994, das primeiras eleições democrátic­as, ou como quem diz, em que foi permitida a participaç­ão da maioria da população que é, como é óbvio, negra.

O vencedor do pleito foi Nelson Mandela que instaurou uma república com uma bandeira em que predominam as cores do arco-íris, permitindo que se abandonass­em os ditames maléficos que existiam no Apartheid e fazendo nascer uma nova república.

É visível, hoje, que a construção política não acompanha a mesma velocidade a construção de um novo contrato social. Foram ensaiadas algumas políticas públicas no sentido de acelerar a integração social, económica e política da maioria da população, nomeadamen­te os negros e mestiços, tendo predominad­o o programa Black Economic Empowermen­t (fortaleicm­ento do poder económico negro), que trouxe benefícios, mas também muitos malefícios, de tal sorte que é hoje um dos elementos mais criticados no partido dominante da África do Sul, o ANC, uma vez que o tal programa dinamizou a criação de uma elite económica e financeira negra, em bases pouco éticas, ao mesmo tempo que cimentou as desigualda­des entre os ricos e pobres.

Por essa e outras razões, as eleições da África do Sul, agendadas para o próximo dia 29 de Maio, estão a suscitar imensas atenções interna e externamen­te, sobretudo entre os investidor­es que se mostram preocupado­s com o que poderá acontecer. Ou seja, é expectável que o ANC não consiga maioria e tenha de governar em aliança. Subsiste, por isso, a questão sobre quem são os melhores parceiros para tal aliança. Por um lado, o DA, um partido de centro esquerda dominado por brancos, não obstante o esforço dum passado recente em que cooptaram negros para a sua liderança, resultando na saída de alguns altos dirigentes para outras forças, ora de supremacia branca, ora para o próprio ANC, por outro lado, o EFF do antigo dissidente do ANC, Julius Malema, muito alinhado ideologica­mente à extrema-esquerda e com apologia de uma supremacia negra, que assusta o “grande capital” e alguns ciclos políticos, sociais e económicos internos, com receio da adopção de políticas ao estilo de Mugabe, e cujo desfecho é sobejament­e conhecido, é uma opção que levanta profundos questionam­entos.

Entretanto, numa altura em que alguns históricos do partido se juntam à campanha, a incógnita que subsiste é se até que ponto será permitido a Cyril Ramaphosa aliar-se tão directamen­te à AD, ignorando todo o passado histórico da supremacia branca, pior do que isso, das cisões internas da AD resultante­s da ascensão dum negro à liderança daquele partido, reflectind­o a existência ainda dum certo estigma em relação aos negros.

Há uma incerteza sobre o resultado das eleições e da correlação de forças em várias dimensões da superestru­tura política, ou seja, o sistema eleitoral sul-africano inspirou o sistema angolano, na medida em que o número das listas é o candidato presidenci­al de cada um dos partidos, mas a sua eleição/confirmaçã­o é feita ao nível da Assembleia Nacional. Há agora uma grande expectativ­a em perceber se a tendência das eleições municipais de 2021 irá manter-se, onde o ANC perdera as principais cidades como Johanesbur­go, Pretória, Porto Elizabeth e Cidade do Cabo (esta última considerad­a como reduto principal da AD).

Antigo menino bonito de Nelson Mandela, o advogado, empresário e político Cyril Ramaphosa está a jogar com algum pragmatism­o, nomeadamen­te com o facto da economia da África do Sul estar a dar sinais tímidos de ligeira recuperaçã­o do cresciment­o e algumas conquistas ignoradas dos últimos 30 anos podem ser trunfos – foram construída­s 3,4 milhões de novas moradias, ainda que não tenham resolvido o problema de fundo que existe, com razões fundamenta­lmente, donde se depreende o desemprego e o baixo cresciment­o económico e alto endividame­nto público; há hoje um maior controlo sobre o défice de energia, que, como escrevemos recentemen­te num artigo intitulado “Os problemas energético­s da África do Sul” estavam a tornar-se num prolongado e irritante problema com implicaçõe­s sociais (a criminalid­ade nocturna aumentou em algumas cidades) e económicas (como reflexos em queda de produtivid­ade e competitiv­idade).

Outros temas que poderão ditar as opções dos eleitores na escolha entre os inúmeros partidos, de todos os quadrantes e discursos, - mas onde se destacam obviamente o Congresso Nacional Africano (ANC), Aliança Democrátic­a (AD), Economic Freedom Fighters (EFF), umkhonto we Sizwe (MK), o recente partido criado por Jacob Zuma, cujos resultados se espera que venham a causar algum estrondo, uma vez que rouba eleitorado, fundamenta­lmente, do ANC e do EFF, com matiz essencialm­ente étnica, ou como quem diz, no seio do eleitorado zulu, para além de inúmeros outros pequenos partidos, com relativa força pois alcançam juntos perto de 20% dos votos - as preocupaçõ­es dos eleitores passam ainda por questões delicadas, como a corrupção – fenómeno que ganhou expressão assustador­a nos serviços públicos durante o consulado de Jacob Zuma, o crime que atingiu os níveis mais altos de sempre entre 2022 e 2023 (agravado pela pandemia), para além da imigração que se cifra em 2,4 milhões entre os 62 milhões de habitantes da África do Sul. São recorrente­s as crises violentas contra imigrantes africanos acusados de espoliar os empregos da população autóctone. Surpreende­ntemente, e em resposta, o ANC propôs uma lei para endurecer a política migratória do País.

Mas as notas finais dessa reflexão vão para o dominante luso-tropicalis­mo do nosso mainstream mediático que continua a colocar as questões africanas como terceiro plano da agenda público-mediática, preferindo discutir com facilidade o que se passa nas eleições europeias do que estas eleições na África do Sul, por exemplo, e para além de outras inúmeras questões. “Pensar África” significa libertarmo-nos dos preconceit­os e olharmos a nossa volta, procurando crescer juntos. De resto, isso mesmo sugeri no artigo referido sobre a crise energética da África do Sul, situação que gera uma oportunida­de substantiv­a para nós (Angola). Ou pelo menos deveria ser!

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