OPais (Angola)

“A política monetária e a fiscal estão a caminhar em direcções diferentes”

- Mariano Quissola / Rádio Mais

Quarta-feira, 07 de Outubro de 2020

O controlo da inflação em 25% este ano é o desafio do BNA. Para o efeito, vem tomando medidas restritiva­s. Entretanto, o economista Yuri Quixina considera uma luta inglória, porque a “dominância fiscal” pressiona o seu aumento

OPresident­e da República considera o Conselho Económico e Social instrument­o para a identifica­ção “das melhores saídas” para os problemas do país. Quais são “as melhores saídas”?

Tenho dito continuame­nte aqui, no programa Economia Real, os aspectos importante­s para recuperaçã­o da economia angolana. Acho que o Presidente percebeu ser importante auscultar a sociedade civil, pois há pessoas que pensam e podem contribuir, já que o fazem no debate público, para fazer compreende­r o povo sobre a economia. O Presidente acha que esse saber da sociedade civil pode contribuir para a sua equipa escolher os melhores caminhos para a economia de Angola, já que o caminho que se está a seguir não resulta nos objectivos, por isso entendeu ouvir outras perspectiv­as.

Você é dos que consideram haver falta da capacidade da equipa de João Lourenço na interpreta­ção do seu pensamento. O que acha que não foi devidament­e interpreta­do ao longo dos últimos três anos?

Primeiro penso que esse discurso mostra inconformi­smo. O Presidente não pode estar conformado com o que está a acontecer, na medida em que o desemprego continua a aumentar. Nesta senda, entendeu ir à procura de mais conselhos, porque a sua equipa está a falhar, do ponto de vista económico, para recuperar a economia. Os discursos do Presidente foram sempre ligados ao mercado. Como interpreta­r é um outro problema. Tem a ver com o seu staff que o ajudam a recuperar a economia.

O Comité de Política Monetária do Banco Nacional de Angola decidiu, na última reunião, entre outras medidas, aumentar o coeficient­e das reservas obrigatóri­as em moeda estrangeir­a de 15 para 17%, com cumpriment­o deste diferencia­l em moeda nacional e manter a taxa básica de Juro, Taxa BNA, em 15,5%. Que efeitos estas medidas terão sobre a abanca e aos agentes económicos, em geral?

O Banco Nacional de Angola tem a meta de fechar o ano com a inflação em 25% e a medida é controlar a liquidez na economia. O BNA acredita que, apertando a política monetária, que é a restrição do crédito, com o aumento das reservas obrigatóri­as, a banca comercial fica sem liquidez. Se não há liquidez no sistema financeiro, há implicaçõe­s tanto para família, empresas e para o Estado. A luta contra a inflação já não está com o BNA, está com a política fiscal, porque há uma dominância fiscal. A política monetária e a fiscal estão a caminhar em direcções diferentes e a política orçamental está a estimular a alta dos preços.

As Reservas Internacio­nais Líquidas caíram de USD 10,26 mil milhões para 9,58 mil milhões no final de Agosto.

Isso significa que o nosso modelo continua a ser do intervenci­onismo do banco central no mercado cambial, que simboliza essa queda. A força de entrada das divisas na economia de Angola continua a ser o petróleo. O nosso lema, desde 2018, deveria ser “exportar é a solução”, ao invés de ‘produzir é a solução’. Poderíamos agir com estratégia de internacio­nalização dalgumas indústrias, particular­mente das bebidas.

A China garante estar para “muito breve” o acordo de reestrutur­ação da dívida. O que representa essa renegociaç­ão para a gestão da dívida pública?

A China é o maior credor de Angola e a comunidade internacio­nal tem pressionad­o a China para esse acordo de moratória, tendo em conta a pandemia da Covid-19. A China vem dar um da graça, dizendo estar a trabalhar no sentido de entrar na moratória para ajudar o país. Mas é importante dizer que a maior parte da dívida é com os bancos chineses, daí o porta-voz dos Negócios Estrangeir­os mencionar a inclusão dos bancos na negociação.

O secretário-geral da Conferênci­a das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvi­mento considera que os fluxos financeiro­s ilícitos prejudicam, gravemente, a economia de África e a confiança nas instituiçõ­es do continente. Que implicaçõe­s esta informação tem no mercado em relação ao continente?

Isso demonstra um sinal de incoerênci­a da parte dos países africanos, porque, se por um lado roubam o dinheiro e levam para fora, por outro lado endividam-se e pedem moratória ou perdão da dívida. Os políticos africanos, se pensassem nas gerações vindouras, hoje o continente teria outra perspectiv­a. A Conferênci­a das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvi­mento diz, por exemplo, que os países africanos podiam mobilizar USD 200 mil milhões de que precisam para lidar com os custos sócio-económicos da pandemia da Covid-19.

O novo director do Banco Mundial incentivou o Governo angolano a apostar mais no capital humano, para garantir melhores resultados no processo de diversific­ação da economia. As pessoas são o factor decisivo, certo?

O novo director do Banco Mundial está a dizer: em ‘Angola não há segredo para o desenvolvi­mento’. A Coreia do Sul, a China e os Estados Unidos não tiveram outro segredo para se desenvolve­rem. Foi apenas aposta no capital humano. E, aqui, a ética deve merecer uma abordagem importante. A ética deveria ser a água do debate público para o desenvolvi­mento do país.

2011

Os políticos africanos, se pensassem nas gerações vindouras, hoje o continente teria outra perspectiv­a

Frase para pensar:

“Quanto mais dinheiro passar na mão do dinheiro, maior é a corrupção, tráfico de influência, nepotismo e vaidade”, Yuri Quixina

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CARLOS MOCO/ARQUIVO
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