A vez das mulheres no topo da Organização Mundial do Comércio
Acorrida pela liderança da Organização Mundial do Comércio (OMC) tem animado os debates dos últimos meses desde que o brasileiro Roberto Azevedo abandonou o posto de Director-Geral da instituição, abrindo caminho para oito candidatos, mas agora ficou reduzida conforme análises anteriores publicadas neste jornal que apontavam luta a duas, sendo que a única dúvida se baseava entre a queniana Amina Mohamed e a nigeriana Okonjo-Iweala. Os resultados de quinta-feira confirmaram as projecções: as finalistas são a sul-coreana Yoo Myung-Hee e a nigeriana Okonjo-Iweala.
As duas candidatas deixaram para trás três adversários, entre os quais dois homens e uma mulher (a queniana), num momento em que o desejo pelo cargo mais importante na OMC está a todo vapor, já que o vencedor desempenhará papel central nas actuais disputas comerciais internacionais, à medida que se tenta reerguer e tornar-se verdadeiramente numa nova frente na luta pelo poder entre duas potências: Estados Unidos da América e a China.
A candidata africana tem se destacado na defesa dos seus ideais, enfatizando que o futuro director-geral da organização precisará ser no meio da “guerra comercial” instalada entre norte-americanos e chineses, antes de mais num bom ouvinte. Essa estratégia cautelosa superou a concorrência continental, fruto da experiência em vários cargos da alta hierarquia no Banco Mundial, onde chegou a ser directora administrativa.
Ngozi Okonjo-Iweala, de 53 anos de idade, já foi duas vezes ministra das Finanças da Nigéria, tendo sido responsável pela negociação do cancelamento de uma dívida do seu país na ordem de 18 bilhões de dólares norte-americanos e é conhecida pela sua dedicação na reforma anti-corrupção, além de ser uma mulher com profundas conexões em diversos países.
Na última observação sobre as perspectivas de ascensão teve na entrada em cena da ex-ministra das Relações Exteriores do Quénia, Amina Mohamed, uma “ameaça”, pois a actual responsável queniana pelo Desporto conhece bem os cantos da instituição, por ter presidido os principais órgãos de decisão da OMC, incluindo o Conselho Geral e o Órgão de Solução de Controvérsias.
Mohamed também tem a reputação de construir consenso eficaz sobre questões comerciais - habilidade vital num grupo que toma decisões por acordo unânime, daí que na edição anterior já se vislumbrava briga forte sobre quem continuaria e, com isso, via-se a progressão da maior rival das africanas (a sul-coreana Yoo
Myung-Hee).
Conhecidas as protagonistas, espera-se uma corrida prolongada, enquanto os EUA e a China disputam vantagem na condução das regras do comércio global, e facilmente se percebe que essa ambição pelo poder tem bases na rivalidade entre as suas nações, contribuindo para que não se chegasse a consenso no processo de assumpção da OMC.
A escolha da ministra do Comércio da Coreia do Sul, Yoo Myung-Hee, na última quinta-feira, 8, como uma das candidatas para governar a Organização Mundial reacende a tese de que a direcção aponta para um substituto de país desenvolvido, depois da saída de Azevedo ser oriundo de nação em vias de desenvolvimento (Brasil).
Assim, a agência sediada em Genebra leva Yoo e Ngozi Okonjo-Iweala para o derradeiro turno do processo para suceder Roberto Azevedo como director-geral, numa decisão que será por consenso após a próxima ronda de consultas que, segundo a OMC, ocorrerá até 27 de Outubro.
Três candidatos do Quénia (Amina Mohamed), Arábia Saudita (ex-ministro da economia saudita Mohammed Al-Tuwaijri) e Reino Unido (ex-secretário de comércio internacional Liam Fox) foram eliminados. Se eleitas, Yoo seria o segundo asiático a chefiar a organização, depois do tailandês Supachai Panitchpakdi, que liderou a agência no início de 2000, e Ngozi colocaria pela primeira vez a África no topo da instituição.
Momento complexo para a organização
Observadores consideram que o anúncio e persistência na falta de consenso chega num momento difícil para a OMC, pois o presidente dos EUA, Donald Trump, insiste em atacar a organização, que acusa de ser injusta com os interesses do seu país, além de impor tarifas adicionais sobre produtos chineses e tomar outras medidas proteccionistas.
Yoo ou Okonjo-Iweala, dependendo de quem será a futura directora-geral, terá um mandato de quatro anos, mas a nova chefe poderá concorrer a um segundo. Para já, cada uma das candidatas precisará da bênção dos 164 membros da OMC, cujo processo baseado em consenso é vulnerável a vetos, especialmente de Washington ou Beijing, em razão das prolongadas tensões comerciais intimamente ligadas à própria crise actual.
Enquanto as duas candidatas festejam a passagem para última etapa do processo de substituição do brasileiro Azevedo, que abandonou o cargo em Agosto, um ano antes do fim do segundo mandato, especialistas sublinham os principais pontos da sul-coreana e da nigeriana para convencer os países membros na derradeira ronda.
A ministra do Comércio da Coreia do Sul é burocrata de longa data (30 anos de carreira nos ministérios de Comércio e Relações Exteriores) que promete reformar a OMC, restaurar e reforçar os sistemas multilaterais, bem como fazer a mediação entre os EUA e a China, os dois países membros mais poderosos. Acredita que a experiência como negociadora com os Estados Unidos e experiência de trabalho na China a ajudarão a atingir o seu objectivo.
Por sua vez, Okonjo-Iweala (Nigéria), que anteriormente ocupou o segundo posto no Banco Mundial, também aposta na reforma do sistema de solução de controvérsias, do qual o Órgão de Apelação faz parte, e está entre as principais prioridades se for eleita, considerando “inaceitável” que, numa organização baseada em regras, elas não sejam seguidas.
Agora o conselho trabalhará com os membros para limitar o campo a uma candidata. A OMC, com a ênfase na construção de consenso, não vota as questões, a menos que seja necessário. Entretanto, todos concordam que a luta pela liderança surge no meio a uma disfunção profunda de uma organização que deveria ser a guardiã do comércio livre.
Os Estados Unidos bloquearam as nomeações para o Órgão de Apelação, o nível mais alto do sistema de solução de controvérsias da OMC, interrompendo seu trabalho pela primeira vez desde a criação do grupo em 1995. Isso fez com que a União Europeia e 16 membros da OMC, incluindo a China, mas não os EUA ou o Japão, concordassem em Janeiro em estabelecer um sistema temporário de apelação, lançado em 30 de Abril.
A OMC teve seis directores-gerais. As últimas quatro nomeações foram alternadas entre candidatos de países em desenvolvimento e desenvolvidos. Como Roberto Azevedo é brasileiro, há grandes hipóteses de que a próxima chefe seja de uma nação desenvolvida, tese que aumenta as esperanças para Yoo e desanima Okonjo-Iweala.
A OMC tem sido chamada de defensora do livre comércio, mas o sistema de solução de controvérsias do órgão está paralisado desde que os EUA bloquearam a nomeação de juízes de apelação. As negociações comerciais da Ronda de Doha também foram paralisadas, deixando a Organização incapaz de lidar com questões relacionadas à economia digital e outras tendências da próxima geração.
Como influentes negociadoras, Yoo e Okonjo-Iweala, questionadas sobre as reclamações dos EUA em relação aos subsídios estatais da China, o que é central para a amarga guerra comercial das duas potências, as duas reconheceram as preocupações, mas evitaram assumir uma postura clara.
Conhecidas as protagonistas, esperase uma corrida prolongada, enquanto os EUA e a China disputam vantagem na condução das regras do comércio global