NELSON SOQUESSA O ensino da oralidade não é apenas para os alunos que não ‘‘sabem’’ falar português
Otítulo que abre o presente texto vem demonstrar o quanto o ensino da oralidade tem sido ignorado pelos professores de Língua Portuguesa (L.P), que não vêm a necessidade do ensino desta componente linguística, a base de todas as aprendizagens, por considerarem que, à entrada no ensino secundário, os alunos já demonstram falar ‘‘bem’’ o português. Este tabu, que já é incutido no professor na escola de formação profissional, tem sido a razão por que muitas as dificuldades de ortografia e não só são identificadas nos alunos, independentemente do nível escolar que frequentam, quando se lhes solicitam que escrevam alguma coisa, seja uma opinião ou um argumento, uma narrativa ou uma resenha sobre as actividades desenvolvidas no seu dia-a-dia.
Como é sabido, a língua, seja ela falada ou escrita, revela a história, a cultura e o modo de vida de uma dada comunidade. A partir dela, todas as experiências passadas são transportadas para o presente, tornando-as vivas e conhecidas pelas gerações mais novas. Daqui se lhe reconhece o seu carácter social, cultural e histórico. As características das comunidades de falantes duma língua também ficam patentes nas diversas modalidades linguísticas, desde o grau de consciência dos falantes, o nível de desenvolvimento técnico-científico da comunidade e a organização das estruturas sociais. Até aqui, a componente oral representa um valor crucial, daí ser fundamental o seu ensino de modo a desenvolver no aluno a consciência fonológica que o permita exteriorizar as suas ideias e sentimentos.
‘‘O modo oral tem sido entendido como a capacidade desenvolvida por homens e mulheres para estabelecer conceitos, ideias e termos com significados específicos que permitem uma interacção social. Permite a transmissão de conhecimentos, de geração em geração, sobre a origem do mundo, as Ciências da Natureza, a Astronomia e os factos históricos’’ (cf. Tembe, Maxaieie e Matabel, 2019: 53). Otemasobreaqualidadedoensinoaprendizagem da disciplina de Língua Portuguesa é mote de vários debates e em espaços diversos – na sala de aula, na rádio, televisão, clubes de leituras, entre outros. Várias ideias têm sido levantadas e sobre três perspectivas. (i). A primeira é dirigida aos professores, que sobre eles pesam acusações de não possuírem competências científicas sofisticadas de modo a proporcionar ao aluno um ensino de qualidade. Fala-se, aqui, de competências científico-técnicas, queincluemdisciplinaslinguísticas e não linguísticas. (ii). O segundo é centrada nos alunos, acusados de não se esforçarem, de não gostarem de ler nem de desenvolver práticas que envolvam escrita recriativa. (iii). Por último, ao ministério de tutela têm sido dirigidas críticas segundo as quais não cria políticas de formação profissional rigorosas e eficientes; não cria condições técnico-científicas que garantam a formação contínua dos quadros, com destaque para as conferências científicas, os seminários ou congressos, os cursos de pósgraduação, entre outras oficinas de formação dos seus técnicos, nem conduz actividades de monitorização dos professores com frequência necessária. Os currículos dos cursos de formação de professores para o ensino primário e para o ensino secundário ainda denotam insuficiências que criam lacunas no futuro professor de L.P. As disciplinas leccionadas nestas escolas de formação centramse mais nos tópicos relacionados com a gramática e o seu ensino, do que propriamente ao estudo da oralidade, do texto falado e escrito. Embora se contemplem no currículo cadeiras de Didáctica do Português ou Metodologia do Ensino do Português, todavia o tempoquesededicaaoestudodestas disciplinas é insuficiente para garantir um ensino-aprendizagem dos principais tópicos da oratória. Fala-se concretamente do ensino da oralidade, o desenvolvimento fonológico (as suas fases, desde o nascimento da criança, a estabilização da consciência fonológica até se chegar ao ensino da leitura). O tempo que se dedica ao trabalho com a oralidade é insuficiente para garantir uma competência científica do futuro professor de L.P, uma vez que a oralidade é considerada a principal e primeira habilidade a ser desenvolvida, de forma natural e por meio de imitação, pelas crianças.
A oralidade cria na criança a capacidade para ouvir, perceber o que ouve e falar. É a partir desta componente que se chega à escrita, representando tudo o que ela ouve e compreende. Daí tornar-se relevante, mais do que dar ao futuro professor técnicas de ensino da gramática e da escrita, formar um profissional que ajude a criança a falar, a decifrar, a tentar mesmo errando e a reformular as suas frases até chegar a falar ‘‘correctamente’’. Mas isto só será possívelseasescolasdeformaçãode professores de LP virem no futuro professor um agente responsável pelo acompanhamento do desenvolvimento da oralidade do aluno, dos que ‘‘sabem’’ e dos que ‘‘não sabem’’ falar, possibilitandolhes a aquisição e selecção vocabular, o desenvolvimento das sequências narrativas, da organização frásica e da criação textual.
Uma das técnicas para o desenvolvimento desta componente linguística, como nos fez saber Ventola (1997), é o modelo de ‘‘organização conversacional’’. O professor, com base nos conhecimentos adquiridos sobre a organizaçãoegestãodasaladeaula, criará conversas espontâneas que respeitem as seguintes variáveis: tópico ou assunto, tipo de situação, papéis dos participantes, modo e meio de discurso. Esta proposta de Ventola(1997)visadebaterassuntos com relevância, colocando frente a frente os participantes, visando o desenvolvimento da capacidade oratória do aluno.
É por esta razão que os professores de L.P devem deixar de pensar que a aula de oralidade é apenas dedicada aos alunos que não ‘‘sabem falar o português’’, que apresentam problemas de pronúncia e outros distúrbios que acfetam a fala. Ela deve ser dada a todos, aos que falam e aos que não falam (cf. Ventola, 1997). O ensino da oralidade não termina. Ela é contínuaeprocessual.Acompanha o desenvolvimento do aluno em todas as suas fases escolares e da vida.
Docente Universitário e Revisor