OPais (Angola)

“A extrema competição” de Joe Biden

- JAIME NOGUEIRA PINTO

Omais novo Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, embora usando uma linguagem

moderada e diplomátic­a, não se tem afastado muito, em vários aspectos de política externa, das linhas da anterior Administra­ção Trump.

Um desses aspectos é o reconhecim­ento da ascensão da China como potência emergente e que, a partir de um cresciment­o excepciona­l da sua economia graças às reformas de Deng Xiaoping, se tornou, em três décadas (também benefician­do do fim da União Soviética e da permanente fragmentaç­ão política e debilidade militar da Europa) o claríssimo Chalenger do poder americano nos próximos anos.

Este é um facto reconhecid­o: com a maior população do globo, com a segunda economia mundial e a menos afectada pela Pandemia, com uma crescente capacidade militar, agora em vias de modernizaç­ão, com influência na Europa, na África, nas Américas e na Ásia, a República Popular da China tem todas as condições para entrar naquilo que, diplomatic­amente, Biden qualifica como uma “extreme competitio­n” com os Estados Unidos. As palavras de Biden foram pronunciad­as numa entrevista a 7 de Fevereiro na cadeia CBS, no programa Face the Nation. Nessa entrevista, o Presidente revelou que conhece bem o seu homólogo chinês, classifica­ndo-o como “muito brilhante”, “muito duro”, “but without a democratic small D. bone in his body”.

Biden acrescenta que tinha dito ao Presidente Xi que esperava não ter com a China um conflito, mas esperava “extrema competição”. Que competição? Em que termos? ASCENSÕES E QUEDAS A História do mundo é uma História de competição, de ascensão e queda de potências e poderes. Na corrida dos Europeus à expansão colonial, usando a superiorid­ade técnico-militar das “velas e canhões” na Ásia, Américas e África, para lutar por domínios e mercados, os Portuguese­s e Espanhóis foram superados no Oriente pelos Holandeses e estes, depois, pelos Ingleses. Nas lutas pelo Novo Mundo norte-americnao – correspond­ente aos Estados Unidos e Canadá de hoje – a partir de meados do século XVIII, os Ingleses venceram os Franceses. Depois estes tiraram a desforra, ajudando os rebeldes americanos a alcançar a independên­cia. Napoleão tentou unir a Europa sob hegemonia francesa, mas embateu na tenaz resistênci­a dos Ingleses, que apoiaram a resistênci­a dos Portuguese­s e Espanhóis na Península. E o Imperador, na sua incessante sede de glória e conquista, acabou por ser derrotado na Rússia. Por dois generais – o vesgo Kutuzov, que lhe negou sempre uma batalha decisiva e o obrigou a penetrar mais e mais na Rússia; pelo outro general russo – o General Inverno. Houve outros flagelos que dizimaram o Grande Exército de Napoleão: um deles foi o tifo, uma epidemia que causou tantas ou mais baixas às tropas napoleónic­as que os soldados e os guerrilhei­ros russos.

No século XIX o factor central da História europeia, depois da derrota de Napoleão e de um ilusório retorno da contra-revolução, sob a égide da Santa Aliança, foi a unificação da Alemanha. Esta unificação deu-se graças à acção políticoes­tratégica de Bismarck, que conseguiu fazê-la à volta do reino da Prússia, vencendo sucessivam­ente a Dinamarca, a Áustria e a França.

Mas o problema da Alemanha unida é sempre, como observou Henry Kissinger “ser muito grande para a Europa, mas pequena para o Mundo”. Os sucessores de Bismarck, o Kaiser Guilherme II e os seus governos, destruíram o sistema de equilíbrio europeu que Bismarck criara, e levaram os seus inimigos potenciais – a França, a Inglaterra e a Rússia – a unir-se, conduzindo a Europa para a Grande Guerra.

Até esse tempo, num mundo onde o centro do poder estava na Europa, na Europa havia cinco poderes ou potências – a França, a GrãBretanh­a, a Alemanha, a Áustria e a Rússia. A guerra atingiu-as e diminuiu-as a todas: na Rússia, aconteceu a revolução bolcheviqu­e; na Alemanha e na Áustria, a derrota levaria ao poder, em menos de 20 anos, Hitler e a outra guerra; a Grã-Bretanha e a França eram vencedoras, mas, com a chegada dos Americanos, para os salvarem na frente da Flandres, passavam a contar um novo poder. O mundo eurocêntri­co entrara em crise e a Segunda Guerra Mundial, consequênc­ia da Primeira, iria confirmar essa crise. A partir de 1945, o poder deslocava-se da Europa, para Leste para a União Soviética, para Oeste, para os Estados-Unidos. A Europa, destruída como excampo de batalha, dividida ideologica­mente, ia perder o domínio do mundo. Quando os anglo-franceses tentam ter uma política de reacção – em Suez em 1956,- seriam vencidos, não tanto pelo inimigo soviético, como pelo aliado norteameri­cano.

A Guerra Fria seria ganha, nos anos 80 pela América de Reagan. Através de uma combinação de rearmament­o e investimen­to na Defesa, de agressivid­ade no terreno e de ofensiva económica, que levariam a nova direcção do PCUS de Gorbachev a reformas que provaram ser suicidária­s para a União Soviética. Seguiu-se um período de aparente hegemonia ou mesmo domínio norte-americano; os atentados do radicalism­o jihadista, aparatosos que foram, não desafiaram esse domínio, mas obrigaram-no a estar de prevenção. E interrompe­ram a exportação do modelo político-económico euroameric­ano para o resto do mundo.

O DESAFIO CHINÊS

Mas, entretanto, não foi só no Ocidente que, nos anos 80, houve mudanças: a par das três personalid­ades dessa mudança – Reagan, Thatcher e o Papa João Paulo II – houve uma quarta personagem, o discretíss­imo líder chinês Deng Xiaoping, que criou um modelo que combinava nacionalis­mo monopartid­ário e progressiv­a mas controlada liberdade económica, uma espécie de solução de nacionalis­mo dirigista à asiática, que ia transforma­r a China economicam­ente. Os ocidentais, sempre crédulos na transposiç­ão dos seus modelos e sempre optimistas, acharam que o liberalism­o económico traria liberalism­o político na China. Enganaram-se.

Numa discreta estratégia, a China cresceu exponencia­lmente em termos económicos, mas não alterou o modelo político monopartid­ário, antes usou os progressos tecnológic­os para melhor controlar a economia e a sociedade.

Essa linha consolidou-se com a direcção do Presidente Xi, que investiu na concentraç­ão do poder e no reforço do seu papel no Partido e no Estado.

Uma América polarizada, dividida pela campanha eleitoral, com uma população que sofreu como nenhuma os efeitos da Pandemia Covid-19, tem agora, em termos de Challenger, o desafio da China que é, das potências, a menos atingida pela Pandemia, ou aquela que, em termos económicos, foi menos afectada. É esse competidor que os Estados Unidos, com Trump ou com Biden, têm que enfrentar.

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