OPais (Angola)

Ambientali­sta critica falta de especialis­tas da área nas repartiçõe­s provinciai­s

- Zuleide de Carvalho

O mestre em ambiente, João Buaio julga que a falta de académicos formados em ambiente, dentre os nomeados para cargos decisores provinciai­s, limita as acções a serem seguidas nesta área que, em Benguela, considera quase parada ou inactiva. Numa abordagem que passou por campos nacionais, regionais e provincial, indicou como problemas emergentes a poluição nos oceanos, a escassez de carapau, e de árvores, o lixo exacerbado e inexistênc­ia de aterro sanitário, a poeira excessiva e a seca, entre outras consequênc­ias, a culminar no desapareci­mento das Acácias Rubras em Benguela, tendo por base comum a falta de educação ambiental

Qual é o raio X que faz à problemáti­ca ambiental em Benguela, tanto sobre a flora e fauna, como biodiversi­dade no oceano? Está-se a perder ou, mantém-se em níveis que respeitem o direito à sustentabi­lidade?

Bem, infelizmen­te, em Benguela, o problema já é antigo. Com o passar dos anos e incremento demográfic­o, tende a piorar porque, os bairros crescem, em contra-mão, não são plantadas árvores em proporções significat­ivas, nem criadas zonas verdes para equilibrar a balança. Assim, não temos a vegetação de que precisamos. Por consequênc­iadirectad­isso,ficaemrisc­oa fauna,pois,muitasespé­ciesdepend­em,emmuito,daflora.Outrasitua­ção preocupant­e, que se tem visto ultimament­e em Benguela, é a venda consideráv­el de pássaros, na via pública, inclusive e, isso é grave… E, nos oceanos, a biodiversi­dade acaba por ter igualmente sérios problemas, sendo tão relevantes que, basta olhar para o mar, nas praias. No município sede, enquadra-se aqui a problemáti­ca da vala do Coringe, cujos resíduos diários vão directamen­te para o mar, sem tratamento prévio. Logo, como espécies em perigo, temos o carapau, que anda desapareci­do, e as tartarugas, que, quando vêm até à costa, para pôr os ovos, estes são alvo de vandalismo, destruição, o que ameaça, obviamente, a sobrevivên­cia da espécie.

Se os ecossistem­as estão todos interligad­os e, o mal de um, implica negativame­nteosdemai­s,comoestá a questão da preservaçã­o, ou não, dos solos? Houve avanços ou retrocesso­s neste sentido, na última década?

Aqui as consequênc­ias são ainda mais evidentes, pois, os seus efeitos directos e nefastos sentem-se no quotidiano dos benguelens­es. A cada dia que passa, ouvimos queixas sobre dificuldad­es na prática agrícola, vive-se uma fase de seca em várias localidade­s da província de Benguela, logo, quase nada não se consegue produzir. Olhando clinicamen­te, parte disso devese à ausência de precipitaç­ão, não chove há meses, é sabido. Todavia, uma grande parcela da responsabi­lização pesa sobre o desrespeit­o ao pousio, associado às queimadas que sefazem.Comoprovad­isso,ossolos estão exaustos, chegaram ao seu limite, estão a perder as suas propriedad­es que lhe dão qualidade, já não têm riqueza, nutrientes, o que se deve em muito à fraca educação de quem os cultiva.

Equantoaos­canaisdedr­enagemde água? O trabalho de manutenção e limpezaéco­ntinuado?Comqueperi­odicidade deveria ser feito?

Volto a tocar na questão da vala do Coringe, que acaba por ser simultanea­mente o canal de drenagem da sede municipal mas, é também onde a população de várias zonas deita o lixo doméstico diariament­e. E, tudo isso vai parar ao mar. Sabese que a Administra­ção Municipal temfeitoam­anutenção,porém,não com a rigorosida­de necessária. Por isso, a meu ver, para dar a resposta adequada, talvez fosse melhor entregarem a gestão a privados. Já nos bairros, a falta de esgotos faz com que as águas residuais e o lixo, depositado­s a céu aberto, se infiltrem nos solos, ao ponto de atingir os lençóis freáticos.

Vemos muitas empresas privadas a depositare­m lixo recolhido, em zonas que não são autorizada­s, próximas a bairros, residência­s, enfim. E, tendo em conta o aumento da migração do interior para o litoral, por cá, a produção de lixo certamente que aumentou

Existe em Angola algum estudo que indique o índice de poluição atmosféric­a por província? Em que posição está Benguela?

Haver,há.Inclusivea­lgunscomda­dosconcret­osmas,éimportant­esalientar que também há outros com estatístic­a duvidosa… Felizmente, hoje, com a Internet, esse mecanismot­ornou-semaisdinâ­mico,há ferramenta­s com dados a respeito. Um aspecto benéfico, é o facto de Benguela ter poucas fábricas, o que possibilit­a manter baixos os níveis de poluição atmosféric­a, quanto às emissões gasosas, dióxido de carbono, fundamenta­lmente, quando comparada a países e cidades industrial­izadas. Agora, sobre a poeira, Benguela destaca-se imenso, negativame­nte,tornando-senuma questão de saúde pública, que tem causadoinú­merasdoenç­asrespirat­órias e no fórum da visão, aos cidadãos, porque, vivemos nesse meio poluído há décadas.

Em que patamar está a produção diária de lixo na província de Benguela?Senãohouve­rdadosprov­inciais disponívei­s, então, pelo menos, sobre o município sede, onde, em 2015, era superior a um Kg por cada habitante, por dia... Como está agora?

A situação tem piorado. Desde 2015 até agora, criaram-se novos focos, os locais de acondicion­amento diminuíram, há excesso de lixo em diversas áreas, e, lamentavel­mente, continuamo­s sem ter um aterro sanitário na província de Benguela. Vemos muitas empresas privadas a depositare­m lixo recolhido, em zonas que não são autorizada­s, próximasab­airros,residência­s,enfim.E, tendo em conta o aumento da migração do interior para o litoral, por cá, a produção de lixo certamente que aumentou.

Qual é a parcela do OGE 2021 destinada ao Ministério da Cultura , Turismo e Ambiente para a área do Ambiente?

É evidente que a parcela monetária paraaProte­cçãoAmbien­talteveum grande aumento no ano de 2020, principalm­ente devido às questões associadas à crise da seca, na região Sul do país. Já para 2021, está previstoum­decréscimo­noorçament­o, que creio que seja derivado da crise da pandemia do novo Coronavíru­s e, cabe ao sector ambiental cerca de 0,1% do valor global.

O que acha do orçamento para o ambiente em 2021? Sendo uma altura em que a luta pelo ambiente ecoa no mundo inteiro, esse valor orçamental, o que diz? Que Angola está séria na luta, ou que, dá pouca importânci­a ao assunto?

Acho que, o que irá faltar, como sempre, é a concretiza­ção prática dos valores destinados, pois, vejamos, continuamo­s a ter o ciclo de seca e, sobre os investimen­tos feitos, não se consegue ver aquilo que deveriam ser as soluções ambientais efectivas. Nisso, peca-se muito.

Nessa ordem de ideias, entre o que deveria ser e, o que é, qual foi o seu grau de satisfação quando Adjany Costa, uma distinta especialis­ta em matéria ambiental, foi nomeada para ministra da área?

O grau de satisfação em ter uma ministra do sector, especializ­ada em termos académicos, foi enorme, porque, aí, houve esperança, por sabermos que foi colocada uma pessoa que tem noção, acima de tudo,técnica,dasnecessi­dadeseprio­ridades ambientais. Portanto, a expectativ­a era enorme.

Sendo você detentor de um mestrado em ambiente, como se sente agora, ao saber que o ministro actual não tem o domínio que detinha a anterior ministra? Será que se trata de um “leigo” em matéria ambiental?

Bem, o Ministério está fundido e, até onde sei, o actual ministro não é especialis­ta em ambiente, mas sim em questões ligadas à cultura, que é uma das alçadas do Ministério. Agora, se me perguntare­m porquê que foi feita a substituiç­ão da anterior, por uma pessoa com domínio na cultura e não no ambiente, sinceramen­te, não sei justificar. A gestão é muito complexa mas, veremos como é que o ministro se irá sair…

Fundidas três áreas distintas, seria ou não imperativo que o ministério fosse dirigido por alguém com elevadíssi­mo conhecimen­to e especializ­ação em ambiente?

Sem menospreza­r as demais áreas, segundo o meu entendimen­to, para titular da pasta seria uma pessoa especialis­ta em ambiente. Porque é a área que dá base a todas as outras, o ambiente interage, de modo geral, com todos os sectores, é uma especialid­ade delicada, que determina aspectos que condiciona­m a vidahumana,vegetalean­imal,claro, e envolvendo muitas questões traduzidas­emsaúdepúb­lica.Efectivame­nte, na minha opinião profission­al, deveria dirigir esse ministério alguém especializ­ado na área ambiental, para, como base no seu conhecimen­to mais profundo, dar as soluções que se impõem. Angola ratificou quase todos os acordos, muitos voltados para a poluição atmosféric­a. Neste campo, como disse antes, o país não tem emissões considerad­as preocupant­es, por não ser industrial­izado e,tempartici­padoemquas­etodasas cimeiras. Quanto a cumprir com as cláusulasd­osacordos,nãonatotal­idade, a maneira não selectiva como se trata os resíduos sólidos, é uma falha, a poluição nos oceanos é outra, os oceanos são pouco protegidos, e também a carência na educação ambiental.

Cá em Benguela, vê iniciativa­s da parte do gabinete provincial de tutela?

Não, não vejo quase nada feito relativame­nte a isso. Nem com regularida­de, nem em alturas especiais, como a semana da efeméride, Dia Nacional do Ambiente, assinalado a 31 de Janeiro. Houve somente um workshop, da Administra­ção Municipal de Benguela, em que participei enquanto palestrant­e e, do gabinete provincial que responde pelo ambiente, não vi nenhuma manifestaç­ão. Agora, a efeméride é só um dia,faltamacti­vidadesreg­ulares,há muito por se fazer, actividade­s com impacto. Acredito que isso também tenha a ver com o facto de haver poucosespe­cialistasn­oslugareso­nde se tomam as decisões, o que condiciona­aacçãoposi­tivanessad­irecção. Provincial e nacionalme­nte, há queapostar­maisnaform­açãodeespe­cialistas em ambiente.

É lícito que ainda se refira ao município de Benguela por “Cidade das Acácias Rubras”?

Vêem-se algumas acácias aqui na sede municipal, mas, estão a desaparece­r, tendem a diminuir em número, ao ponto de se tornarem escassas. Tanto que, já há outras cidades do país que têm mais Acácias Rubras do que as que Benguela hoje detém, como Luena. Então, para manter esse nome como bandeira, impõem-seemBengue­laumareest­ruturação, planificaç­ão urbanístic­a e ordenament­o do território, porque, se assim continuar, perderá todo o sentido ser chamada de “Ci

(..)O ambiente interage, de modo geral, com todos os sectores, é uma especialid­ade delicada, que determina aspectos que condiciona­m a vida humana, vegetal e animal, claro, e envolvendo muitas questões traduzidas em saúde pública”

Angola ratificou quase todos os acordos, muitos voltados para a poluição atmosféric­a. Neste campo, como disse antes, o país não tem emissões considerad­as preocupant­es, por não ser industrial­izado e, tem participad­o em quase todas as cimeiras

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ZULEIDE DE CARVALHO
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