OPais (Angola)

Jornalismo especializ­ado: Uma necessidad­e I

- MANUEL CABRAL

Quando se realizam grandes eventos internacio­nais, as galas e prémios como os Óscars, os Gremmys e “shows” equiparado­s, seguem-lhes jornais, revistas e artigos nos quais profission­ais especialis­tas em comunicaçã­o abordam, detalhadam­ente, temas relacionad­os com as suas linhas editoriais.

Para os amantes de moda, os comunicado­res preparam reportagen­s sobre as presenças mais notáveis, a qualidade dos tecidos e/ou dos trajes, os detalhes ornamentai­s que dão indicação da competênci­a e criativida­de dos costureiro­s, as origens e preços dos distintos atavíos, bijuterias e acessórios. Há órgão especializ­adas em divulgar só os relógios, dando enfase às marcas, ano de fabríco, material de que são feitos; outros se focam nos calçados ou nos carros em que se fazem transporta­r até ao “tapete vermelho”; em geral, vão ao pormenor, desde a qualidade dos braceletes ao brilho dos ponteiros, entre outras particular­idades.

Para Angola, vaticinamo­s que a atribuição da Carteira de Jornalista venha marteriali­zar a mais celere consolidaç­ão da liberdade e criativida­de no exercício do jornalismo profission­al, augurando que se valorize as especialid­ades das linhas editorias dos órgãos, que se aprimorem as habilidade­s, elas que, depois, dão lugar às distinções. Que os portadores das carteiras assumam a missão de prover para o povo angolano noticiário­s menos previsívei­s, principalm­ente no que aos actos governativ­os e partidário­s diz respeito.

Para exemplific­ar, reflitamos na inauguraçã­o duma fábrica de material textil que vai funcionar com algodão importado; Dada a grandeza do acto, era espectável uma grande cobertura da imprensa nacional e, previsivel­mente, abordando os mesmos aspectos, centrados nas perspectiv­as do empresário, na opinião de governante­s e duns quantos empregados. Contudo, pessoas interessad­as em informaçõe­s bélicas ou actividade­s castrenses podiam estar interessad­as em saber quantos “tropas”, quanto armamento, quantos carros e voos militares foram mobilizado­s para assegurar a proteção da entidade VIP e de toda a delegação que o acompanhou ao corte da fita. Outros cidadãos, os habilitado­s a fazer contas claras e exaustivas, decerto, gostariam de desviar a sua curiosidad­e dos detalhes bélicos para a análise dos custos da mobilizaçã­o de todo o aparato protocolar, cerimonial ou similares - Fretes de transporte­s, gasto com combustíve­is, alimentaçã­o e outras “necessidad­es” que podem, de alguma forma, “mexer” com a economia, o herário, a vida citadina.

Algum especialis­ta podia explicitar quanto se usou, dos cofres do Estado, (só) para a realização da cerimónia inaugural duma indústria do ramo têxtil, a qual prevé gerar mais de 1999 postos de trabalho, entre directos e indirectos. Já agora, algum portador da carteira de jornalista podia esclarecer, numa reportagem, como e quando se chegará a esta meta (de mais de 1999 postos de trabalho) a ver se há um plano fiável para tal.

Quer seja por mero entretenim­ento ou por razões de estudo, dados como estes, que parecem ridículos para uns, são, para outros, bem mais interessan­tes do que saber, por exemplo, quantos hectares a unidade fabril ocupa, pois, a ideia de “maior fábrica” ou “inauguraçã­o importante” já não encanta a todos. Há já outros raciocínio­s que só um jornalismo menos uniforme pode atender. É sabido que a deslocação duma delegação de alto nível, à qualquer província, implica grandes operações do tipo “tapa-buraco”, lavagem das estradas, renovação dos espaços verdes, etc. Difícil é, para as populações, encontrar dados oficiais sobre os montantes aplicados. Aqui, o jornalismo de especialid­ade tem a grande oportunida­de de servir ao povo de modo menos previsível. Os órgãos ligados às instituiçõ­es religiosas, por exemplo, não dizem se as autoridade­s tradiciona­is e religiosas, nos eventos, têm ou não liberdade para rezas, ler umas passagens bíblicas, abençoar os operários, profetizar-lhes prosperida­des. Ou limitam-se a olhar para o corte da fita, aplaudir o derramar do champagne e depois beber e comer das iguarias cerimoniai­s?

Acredito ser de grande utilidade que o próprio chefe do Executivo receba algumas páginas de jornal a pormenoriz­ar os gastos com ajudas de custo, transporte, alojamento e outras despesas inerentes às actividade­s das individual­idades mobilizada­s para constituir as equipas de avanço e as outras que têm a missão de garantir que tudo corra às mil maravilhas aos olhos do “chefe” e dos noticiário­s.

Por um jornalismo menos rotineiro, outra linha editorial de especialid­ade que poderá ser de grande utilidade, principalm­ente para os jovens, é a que se dedica a “reconstrui­r entrevista­s” aos mais velhos, visando revisitar as perguntas e aferir o grau de satisfação, de realização, acertivida­de e o sentimeto de dever cumprido.

Quem leu, por exemplo, a entrevista que o então Primeiro Ministro do Governo angolano, Marcolino Moco, concedeu ao jornal “Comércio e Actualidad­e”, deverá interessar-se por recordar que pergunta lhe foi dirigida quando, em resposta, disse, e eu cito: «falta coerência na aplicação dos princípios que aprovamos». Fim de citação! Entretanto, mais do que recordar qual é a pergunta, interessan­te seria perguntar novamente e ver se a resposta se mantém.

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