Jornalismo especializado: Uma necessidade I
Quando se realizam grandes eventos internacionais, as galas e prémios como os Óscars, os Gremmys e “shows” equiparados, seguem-lhes jornais, revistas e artigos nos quais profissionais especialistas em comunicação abordam, detalhadamente, temas relacionados com as suas linhas editoriais.
Para os amantes de moda, os comunicadores preparam reportagens sobre as presenças mais notáveis, a qualidade dos tecidos e/ou dos trajes, os detalhes ornamentais que dão indicação da competência e criatividade dos costureiros, as origens e preços dos distintos atavíos, bijuterias e acessórios. Há órgão especializadas em divulgar só os relógios, dando enfase às marcas, ano de fabríco, material de que são feitos; outros se focam nos calçados ou nos carros em que se fazem transportar até ao “tapete vermelho”; em geral, vão ao pormenor, desde a qualidade dos braceletes ao brilho dos ponteiros, entre outras particularidades.
Para Angola, vaticinamos que a atribuição da Carteira de Jornalista venha marterializar a mais celere consolidação da liberdade e criatividade no exercício do jornalismo profissional, augurando que se valorize as especialidades das linhas editorias dos órgãos, que se aprimorem as habilidades, elas que, depois, dão lugar às distinções. Que os portadores das carteiras assumam a missão de prover para o povo angolano noticiários menos previsíveis, principalmente no que aos actos governativos e partidários diz respeito.
Para exemplificar, reflitamos na inauguração duma fábrica de material textil que vai funcionar com algodão importado; Dada a grandeza do acto, era espectável uma grande cobertura da imprensa nacional e, previsivelmente, abordando os mesmos aspectos, centrados nas perspectivas do empresário, na opinião de governantes e duns quantos empregados. Contudo, pessoas interessadas em informações bélicas ou actividades castrenses podiam estar interessadas em saber quantos “tropas”, quanto armamento, quantos carros e voos militares foram mobilizados para assegurar a proteção da entidade VIP e de toda a delegação que o acompanhou ao corte da fita. Outros cidadãos, os habilitados a fazer contas claras e exaustivas, decerto, gostariam de desviar a sua curiosidade dos detalhes bélicos para a análise dos custos da mobilização de todo o aparato protocolar, cerimonial ou similares - Fretes de transportes, gasto com combustíveis, alimentação e outras “necessidades” que podem, de alguma forma, “mexer” com a economia, o herário, a vida citadina.
Algum especialista podia explicitar quanto se usou, dos cofres do Estado, (só) para a realização da cerimónia inaugural duma indústria do ramo têxtil, a qual prevé gerar mais de 1999 postos de trabalho, entre directos e indirectos. Já agora, algum portador da carteira de jornalista podia esclarecer, numa reportagem, como e quando se chegará a esta meta (de mais de 1999 postos de trabalho) a ver se há um plano fiável para tal.
Quer seja por mero entretenimento ou por razões de estudo, dados como estes, que parecem ridículos para uns, são, para outros, bem mais interessantes do que saber, por exemplo, quantos hectares a unidade fabril ocupa, pois, a ideia de “maior fábrica” ou “inauguração importante” já não encanta a todos. Há já outros raciocínios que só um jornalismo menos uniforme pode atender. É sabido que a deslocação duma delegação de alto nível, à qualquer província, implica grandes operações do tipo “tapa-buraco”, lavagem das estradas, renovação dos espaços verdes, etc. Difícil é, para as populações, encontrar dados oficiais sobre os montantes aplicados. Aqui, o jornalismo de especialidade tem a grande oportunidade de servir ao povo de modo menos previsível. Os órgãos ligados às instituições religiosas, por exemplo, não dizem se as autoridades tradicionais e religiosas, nos eventos, têm ou não liberdade para rezas, ler umas passagens bíblicas, abençoar os operários, profetizar-lhes prosperidades. Ou limitam-se a olhar para o corte da fita, aplaudir o derramar do champagne e depois beber e comer das iguarias cerimoniais?
Acredito ser de grande utilidade que o próprio chefe do Executivo receba algumas páginas de jornal a pormenorizar os gastos com ajudas de custo, transporte, alojamento e outras despesas inerentes às actividades das individualidades mobilizadas para constituir as equipas de avanço e as outras que têm a missão de garantir que tudo corra às mil maravilhas aos olhos do “chefe” e dos noticiários.
Por um jornalismo menos rotineiro, outra linha editorial de especialidade que poderá ser de grande utilidade, principalmente para os jovens, é a que se dedica a “reconstruir entrevistas” aos mais velhos, visando revisitar as perguntas e aferir o grau de satisfação, de realização, acertividade e o sentimeto de dever cumprido.
Quem leu, por exemplo, a entrevista que o então Primeiro Ministro do Governo angolano, Marcolino Moco, concedeu ao jornal “Comércio e Actualidade”, deverá interessar-se por recordar que pergunta lhe foi dirigida quando, em resposta, disse, e eu cito: «falta coerência na aplicação dos princípios que aprovamos». Fim de citação! Entretanto, mais do que recordar qual é a pergunta, interessante seria perguntar novamente e ver se a resposta se mantém.