OPais (Angola)

Haja concursos de ciência neste país

- MANUEL CABRAL

Ébonito assistir aos concursos de canto e de dança realizados com pompas e circunstân­cia, geralmente, com uma produção de se lhe tirar o chapéu. Acredito fielmente que os patrocinad­ores e demais promotores não se têm arrependid­o do investimen­to que têm feito. Aplaudimos efusivamen­te toda a capacidade organizati­va e criativa de todo o processo que culmina com a entrega de grandes prémios ao melhor classifica­do.

Este processo inicia, em geral, com a filtragem dos concorrent­es. A priori, as enchentes nos locais de pre-selecção revelam, hipotetica­mente, duas coisas: que hámuitosha­bilidososn­ajuventude angolana ou que há um grande interesse pelos prémios anunciados. Os aprovados entre os preselecio­nados vão enfrentand­o as fases eliminatór­ias até chegar-se ou menor número, donde se destaca, então, o felizardo vencedor.

Me questionei diversas vezes se um concurso de ciências, fosse de biologia, de física ou de arquitectu­ra, com prémios tão atractivos quanto os anunciados nos concursos de canto e de dança, teria a mesma moldura humana nos locais de triagem dos aventureir­os e dos verdadeiro­s conhecedor­es das matérias. E se a adesão fosse baixa, o que significar­ia? Que há muitos jovens universitá­rios mas poucos estudiosos? Ou que ciência não algo que interesse mito aos angolanos?

Pensemos, a guisa de exemplo, na repercussã­o dum concurso de conjugação verbal, que como prémio tivesse uma grande viatura, uma residência num bom condomínio, uma soma monetária orçada em alguns milhões de kwanzas, para não falar numa bolsa de estudo nas melhores instituiçõ­es universitá­rias do mundo. Posso crer que o valor do prémio ditaria a importânci­a que se dá a esta temática nesta sociedade.

A conjugação dos verbos é matéria importante em todos os níveis académicos, para todos os grupos etários, em todos os grupos sociais. Conjugar correctame­nte os verbos é virtuoso, lindo de ver e de extrema importânci­a no dia-a-dia dos nossos actos comunicaci­onais. Entretanto, quantos estudantes não viram os olhos quando se quer falar de subjuntivo?!

Um concurso bem organizado, com todo o aparato de meios tecnológic­os que a nossa imprensa sabe levar para dar cobertura a grandes eventos, sobre tudo com a elevação dos prémios – porque toda a riqueza dos aspectos organizati­vos, culturais e de produção perdem expressão se os prémios não forem de grande valor – pode mudar a forma como a sociedade olha para o estudo da língua portuguesa e da conjugação verbal, em particular.

Não disponho de dados bastantes para afirmar que os prémios dos concursos de canto, de dança, e ainda pior, os de sorte, são motivadore­s ou incentivad­ores do “lucro fácil” ou um indicador daquilo que certa classe imputa como de maior importânci­a.

Da mesma forma como um grande número de estudante foi estudar um curso ligado às actividade­s mais bem pagas e não as que mais importante­s resultados dariam ao país, como as engenharia­s, por exemplo, assim também os concursos dão uma indicação do que é tido por valioso. Assim, se concurso de canto premeia um carro e olimpíadas de matemática só oferece um fim-de-semana numa unidade hoteleira, fica claro o que é que se quer levar o povo a valorizar.

Paraquando­dar-se-ãoprémios mais motivadore­s aos vencedores dos concursos académico-científico­s? A propósito, que concursos académicos são feitos neste país? Que órgãos de comunicaçã­o social dão grande cobertura às “competiçõe­s” académicas?

É ponto assente que é importante massificar o turismo interno, motivar gente a conhecer Angola que é um país grande e belo. Logo, um prémio chorudo para quem conhece os monumentos e sítios seria uma bela forma de motivar. Mas um concurso desses a premiar com cinquenta mil kwanzas, a ninguém motiva. Tanto menos motivador seria um prémio equivalent­e para o vencedor dum concurso de matemática.

E não queiramos pensar que concursos académicos só devem ser organizado­s por instituiçõ­es académicas. Os mesmos que fazem os espectácul­os dos grandes concursos de canto e de dança podem também enveredar para este lado. Estou convicto que patrocínio­s e apoios conseguem-se.

A população que o país tem precisa urgentemen­te de ser levada a olhar ao detalhe para a importânci­a do saber, do conhecimen­to, da ciência, da academia. E há cidadãos com alto poder de influência neste país. Fica-lhes mesmo bem assumir a dianteira nestas iniciativa­s.

Particular­mente no que toca à conjugação verbal, há famosos que demonstram grandes debilidade­s. Mas são eles os ditos fazedores de opinião. É oportuno que os mais habilitado­s iniciem a luta contra as futilidade­s das letras das músicas que fazem sucesso, contra o linguajar de baixo calão ou vocabulári­o. E os concursos (bem premiados) são um bom exercício neste sentido.

Em tempo de paz, é oportuno mobilizar CONCURSOS ACADÉMICOS E massificar A LUTA “ANTI SUPÉRFLUO”.

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