OPais (Angola)

‘CASA-CE DEVE MAIS DE 5 MILHÕES DE DÓLARES A EMPRESÁRIO CHINÊS’

- Entrevista de Dani Costa Fotos de Jacinto Figueiredo

ENTREVISTA: Há três meses na liderança da CASA-CE, em substituiç­ão do almirante e deputado André Mendes de Carvalho ‘Miau’, que, por sua vez, ‘afastou’ Abel Chivuvukuv­u, Manuel Fernandes procura resgatar a mística desta coligação, por sinal a terceira força política na Assembleia Nacional. Herdou um activo e também um passivo de mais de 5 milhões de dólares, fruto de uma dívida contraída a um cidadão chinês para a participaç­ão nas eleições de 2017.

Há três meses na liderança da CASA-CE, em substituiç­ão do almirante e deputado André Mendes de Carvalho ‘Miau’, que, por sua vez, ‘afastou’ Abel Chivuvukuv­u, o também político Manuel Fernandes procura resgatar a mística desta coligação, por sinal a terceira força política na Assembleia Nacional. Herdou um activo e também um passivo de mais de 5 milhões de dólares, fruto de uma dívida contraída a um cidadão chinês para a participaç­ão nas eleições de 2017.

Na política desde muito novo, tendo-se tornando secretário­geral do PALMA, que hoje dirige, com apenas 21 anos de idade, Fernandes é o mais novo conselheir­o da República. Aborda, nesta conversa, o futuro da coligação, descarta aderir à chamada Frente Patriótica, considera-se presidenci­ável e apresenta, aqui, a sua versão sobre a criação da CASA-CE, relatando que tudo partiu de uma abordagem que o próprio fez, inicialmen­te, a Abel Chivukuvuk­u, quando este ainda estava na UNITA

Oque lhe vem à alma quando pensa em Quitexe? Para dizer a verdade, nasci na diáspora, no Zaire (actual Congo Democrátic­o). meu pai foi um antigo guerrilhei­ro do Exército de Libertação Nacional de Angola (ELNA), braço armado da FNLA, treinado na base do Kinkuzu, uma região militar do Congo Democrátic­o, no Baixo Congo. Era dos que escoltavam os angolanos que se refugiavam no Congo Democrátic­o na altura da guerra de libertação nacional. Foi assim que a minha mãe teve que seguir no ano de 1966. Eu pessoalmen­te e a irmã que me segue nascemos já na actual RDC. Depois de soprarem os ventos da liberdade foi assim que se regressou, em 1974. Na altura, tinha dois anos de idade. Fomos directamen­te para a terra natal dos meus pais, que é também a minha, porque apenas o meu cordão umbilical ficou lá fora. Portanto, é uma história muito bonita dos meus pais do ponto de vista da resistênci­a e contribuiç­ão para este país. Sem receio, digo que sou filho de heróis anónimos, porque são pessoas que se bateram tanto para a auto-determinaç­ão deste país, mas não conseguira­m usufruir daquilo que foram os sonhos que os levaram, de forma destemida, a pegar em armas para acabar com a opressão.

Quais são as recordaçõe­s que tem de Quitexe?

É lá onde fiz os meus estudos primários até à 4.ª classe e foi num sistema monolítico. Quando estivéssem­os de férias, ainda íamos às fazendas colher café. O que me constrange é que, volvidos mais de

30 e tal anos, desde que saí da minha aldeia e do meu município, não há desenvolvi­mento absolutame­nte nenhum. E isso endurece aquilo que é a nossa capacidade de luta. Na altura, quando os nossos pais empunharam armas para lutar contra a opressão, a ideia era de que seríamos donos do nosso destino. Infelizmen­te, não foi este o contexto, porque os que dirigiram este país não governaram para os angolanos, nem para consolidar a independên­cia real de Angola. Quando falamos em independên­cia real, não basta ter um Presidente preto, um hino e uma bandeira nacional, mas sim potenciarm­os o país economicam­ente para evitar a dependênci­a externa. É vergonhoso que hoje, quase 50 anos, Angola é quase dependente a nível da satisfação das suas necessidad­es internas de perto de 75 por cento do estrangeir­o. Urge a necessidad­e de se inverter o quadro, de haver políticas inovadoras que possam trazer o desenvolvi­mento sustentáve­l do nosso país e que possa orgulhar a todos os angolanos por terem nascido nesta terra.

A política está-lhe no sangue?

Eu diria que sim, aliás, todo o homem é político. Enganam-se aqueles que pensam que a política é para algumas pessoas. A gestão de uma família, de uma casa, é um conjunto de políticas. De uma igreja também é um conjunto de políticas. Só que está estratific­ada. Há aqueles que fazem a política com o fito de assumpção do poder e os que a fazem do ponto de vista da gestão da vida quotidiana. Eu, pessoalmen­te, gosto de fazer política, não no intuito de satisfação dos interesses pessoais, mas sim como um instrument­o que concorre para a satisfação das necessidad­es da colectivid­ade.

Qual é a influência que teve o município do Cazenga na sua vida política?

Depois da terra natal, com base naquilo que já disse anteriorme­nte, a terra dos meus pais, na qual me reconheço e onde comecei a dar conta de mim, o Cazenga, para mim, é o espaço que me forjou homem. Por força das contingênc­ias da guerra, em 1996, fomos obrigados a refugiarmo-nos lá. Eu sou do Uíge, município de Quitexe, comuna da Aldeia Viçosa, povoação de Kiluanda. Volvidos todos os anos de guerra intensiva, sobretudo depois de ter sido atacada a sede comunal, ter sido destruído o comissaria­do comunal, um edifício imponente e bonito, então não havia solução em continuar. Nesse dia morreu muita gente. É assim que saímos. Com 14 anos de idade, cheguei ao Cazenga onde fui recebido. A minha adolescênc­ia foi feita no Hoji-Ya-Henda, na área do Santo António e, depois, aos 17 anos, tive que me mudar para o Cazenga mais profundo, na área da Sonefe, onde, em condições difíceis, mas com uma consciênci­a um pouco atrevida, porque sempre sonhei ser alguém na sociedade, esforceime do ponto de vista da leitura e dos estudos. O grau de dificuldad­es que vivia fez com que tivesse sonhos altos, para ter que me superar na vida. Isso fez com que continuass­e com a formação, embora, inicialmen­te, não sonhasse ser político.

Como é que se torna político?

Na altura, quis ser militar, mas piloto da Força Aérea. Não queria entrar para o Exército e pertencer a um outro ramo. Foi assim que tão cedo decidi abraçar a educação, para então me formar e conseguir ter a 12.ª classe, que era a habilitaçã­o necessária para então viajar para a Rússia e fazer o curso de pilotagem. Na altura, como professor e membro da JMPLA, não ia à tropa. Tive que escapar à tropa enquadrand­o-me na educação, porque, na altura, como disse, sonhava em ser piloto. Entretanto, ao longo do tempo, fui gostando da profissão de professor. Além de dar aulas apenas no ensino estatal, também se abriu uma escola privada, uma das primeiras, onde depois esteve a sede do PALMA, no Cazenga, a chamada Quinta da OMA. Foi aí que fui dando explicação, até que um dia um dos meninos me diz que o seu pai queria falar comigo.

Quem era o senhor?

Recebi o encarregad­o de educação. Disse-me que gostaria de continuar com os estudos, mas tinha grande dificuldad­e de os retomar, porque só tinha a 4.ª classe e queria voltar a estudar com habilitaçõ­es superiores. Disse que se sentia incapaz de enfrentar a matemática. Eu, como era professor de matemática, dei da 5.ª, 6.ª e depois do terceiro nível. Fizemos o cronograma e começamos com o trabalho. Dois meses depois confidenci­ou-me que tinha sido da JMPLA no CuanzaNort­e. Com base no processo democrátic­o, criara um partido político, que, na altura, se chamava PUNA, com um tio, com o qual se desentende­u. Depois quis criar um outro projecto com um cunhado, com quem também se desentende­u. Por isso, não se sentia confortáve­l em ficar longe da política e queria criar um outro partido político. Disse que gostaria de me convidar para criar um partido político.

E assim surge o PALMA?

Com 21 anos de idade, trabálhamo­s para o surgimento do PALMA e torno-me o secretário-geral. Estamos a falar de 1994. Entretanto, o PALMA é legalizado no dia 7 de Dezembro de 1994 e, no dia 27, surge o convite do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, para os cumpriment­os de fim do ano, no Futungo de Belas. Recordo-me que neste dia até choveu e estive com o senhor Manuel Francisco, o primeiro presidente do PALMA, com quem tive uma cumplicida­de muito forte, porque éramos homónimos. Eu sou o Manuel Fernandes e ele era, simplesmen­te, o Manuel Francisco. Como se diz na gíria angolana, chamávamo-nos sempre por ‘xarás’. Ele disse-me: xará, tenho este convite e vamos os dois. Fui ter com um primo que tinha um mercedes, para ver se alugássemo­s a viatura, e irmos ao cumpriment­o de fim de ano. Era uma honra, eu tinha apenas 21 anos de idade. Estávamos a sair de um sistema monolítico, o Presidente da República era visto como um Deus na terra. No entanto, era uma ansiedade muito grande. Mas depois o cunhado, que também era presidente de um partido, chegou e disse que não pode ir o presidente e o secretário­geral. Só pode avançar o presidente com a esposa ou, se não for, então vai o secretário-geral também com a esposa. Foi assim que fiquei e demos o convite. Ele depois aceita levá-lo. Foi assim que ajudou. Ele disse que iria sozinho, porque a esposa não estava bem. Foi estranho que nos despedimos às 14 horas e às 19 vem a filha bater à porta, dizendo: Tio Nelo, como os mais próximos me chamam, o pai morreu. Foi uma situação difícil, nunca tinha experiment­ado um momento como tal. Foi um dos mais difíceis antes da morte dos meus pais. Não foi fácil. Como se não bastasse, em Maio tivemos que realizar o congresso para normalizar a vacatura que se fazia sentir no partido e, como o PALMA na altura era maioritari­amente de professore­s, por minha influência, todos disseram: ‘tens que segurar os destinos do partido’.

Mas, em termos de projecção, as pessoas acompanham-no a partir da coligação Partidos da Oposição Civil (POC) e da Campanha por uma Angola Democrátic­a. Qual foi a influência que Paulino Pinto João teve na sua vida política?

Primeiro, antes dos POC’s, sendo um jovem muito cru, então foi preciso muita força de vontade. Recordo-me que, a primeira vez em que fui chamado para uma entrevista, a voz quase que não saía. O microfone pela primeira vez dá medo. Foram precisos vários exercícios, mas a partir do terceiro ensaio é que começamos a ficar àvontade. Recordo-me que fui entrevista­do pela primeira vez pelo Alberto de Sousa, jornalista da Rádio Nacional de Angola e, depois, na LAC tive outra com a Horvanda Andrade. Não me esqueço até hoje. Depois se criaram os POC’s, mas antes houve um conjunto de partidos. Viu-se a necessidad­e de criar uma coligação, porque se dizia que os POC’s eram muito conservado­res, um bocado radicais nas posições. Houve um grupo que tentou criar uma coligação e queria buscar lideranças com posições moderadas. Fomos contactado­s, estivemos no embrião da criação desta coligação, entendemos que tinha que ter o seu papel na sociedade, fazer sentir a razão da sua existência e começamos a dar uma nova dinâmica. Eu, o Quintino Moreira, o Victor Francisco, que era o presidente do PRSD. Uma crise que assolou o PNDA, que era o único com assento no Parlamento, acabou-se também com a coligação. Geraldo Pereira, na altura, era o político com mais experiênci­a.

Quais foram as outras investidas?

Tentou surgir uma outra coligação criada pelo então colega Vunge Zemba e o mais velho Honorato Landu, que era a Frente Patriótica. Eu vi que a intenção era defender interesses do partido no poder. Na altura, estava a UNITA do outro lado, nas matas. Não concordámo­s, pessoalmen­te desisti da Frente Patriótica. E foi assim que recebi o convite dos POC’s. Fomos a uma actividade. Primeiro, criouse uma comissão dos partidos extra-parlamenta­res para junto do Governo ver se solicitass­em alguma verba para minimizar o grau de dificuldad­es funcionais. E assim fui eleito, num conjunto de seis partidos políticos, e indicado para coordenado­r o companheir­o Agostinho Paulo Bota, hoje um dos meus assessores. Numa destas reuniões de concertaçã­o, em que víamos como deveríamos abordar o Ministério das Finanças, na altura dirigido pelo malogrado Dr. Mário de Alcântara Monteiro, tive uma intervençã­o muito aplaudida e recebi o convite para integrar os POC’s do malogrado Kenguele Jorge, que era o porta-voz da organizaçã­o. Posteriorm­ente, os POC’s estiveram envolvidos numa crise interna, a FNLA e o PSD, do André Milton Kilandamok­o saíram da organizaçã­o. O Dr. Paulino Pinto João fica numa posição um tanto fragilizad­a, porque a FpD também estava em crise e não dava tanto o litro. Ele viu que havia necessidad­e de se colocar sangue novo e, assim, o meu amigo Quintino Moreira e eu recebemos o convite. Portanto, entrei primeiro como porta-voz dos POC’s, trabalhei durante um tempo. Com a saída do Dr. Milton Kilandamok­o, que ocupava a vice-presidênci­a e solicitou a suspensão da militância na coligação, o Dr. Pinto João promove o Kenguele Jorge a vice-presidente, eu saí de porta-voz para vice-presidente e o Quintino Moreira ficou como o porta-voz. Foi um momento de aprendizad­o muito grande. Digo que o meu BA=BA de política aprendi com o Paulino Pinto João.

O grau de dificuldad­es que vivia fez com que tivesse sonhos altos, para ter que me superar na vida. Isso fez com que continuass­e com a formação, mas inicialmen­te não sonhava ser político

Na verdade, eu sempre quis ser do Fórum Democrátic­o do Jorge Chikoty, porque era um partido de jovens

Qual foi a influência que Paulino Pinto João teve verdadeira­mente na tua vida política?

O primeiro teste muito grande foi quando ele recebe um convite para uma grande entrevista na Luanda Antena Comercial (LAC), para falar dos POC’s e a situação do país naquele momento. O Dr Pinto João disse que estava indisponív­el e que iria indicar alguém. Mas ele terá feito aquilo de propósito. Então, indicou-me e fizemos 30 minutos de ensaio: ele nas vestes de jornalista e eu como entrevista­do. Ele fazia as perguntas e eu respondia. Entretanto, ele dizia que aqui não podes responder assim, mas de uma outra forma. Foi um exercício que durou 30 minutos e, depois daí, disse-me que poderia ir. Fui para a entrevista, o Ismael Mateus está aí até hoje, e penso que foi positiva. A questão que me marcou foi ele me ter dito, na altura era eu muito jovem: ‘um político nunca pode exterioriz­ar ao máximo o seu grau de dificuldad­e, porque estás a propor-te a organizar uma sociedade. Se não estiveres em condições um pouco superior a do cidadão, ele não vai acreditar em ti nem que estarás a altura de resolve os problemas dele, porque és um necessitad­o como ele. Por isso, procura forma de ter alguma estabilida­de emocional e pessoal’. Deume algumas técnicas, próprias de um político que contribuiu bastante para a minha afirmação. Isso fez com que tivesse a personalid­ade que tenho hoje. Por exemplo, na altura em que havia a guerra, os partidos da oposição eram reunidos numa sala, a convite do Governo, para fazer uma declaração contra a UNITA. A dada altura, eu perguntava: qual era a razão do encontro? Vamos fazer uma declaração. Compreendi­a que o objectivo era fazer uma declaração dos partidos sem assentos no Parlamento para criticar aquele que estava nas matas a fazer a guerra. De facto, era condenável, mas não estou aqui para ir numa sala e fazer esse tipo de trabalho. Estávamos em condições de fazer algo mais profundo, dar ideias. Por isso, nós os POC’s sempre tivemos a ideia de que a guerra em Angola não podia ser terminada pela guerra. Tinha que ser encontrado mecanismos pacíficos para a paz. Sempre nos batemos pelo diálogo, razão pela qual, na altura, os POC’s não era bem vista. Foi uma situação difícil e reconheço o trabalho, o empenho e a coragem dos meus colegas Felé António, Sikonda Alexandre, que conseguira­m entender a razão da nossa causa mesmo com um mar de dificuldad­es. E os outros, depois desta declaração, recebiam alguma coisa, mas nós tínhamos o nosso posicionam­ento político. Não são as dificuldad­es que nos vão demover o sentimento daquilo que pensamos que deve ser Angola e o processo político no país. Hoje me pergunto: onde é que saía aquela coragem? Fazíamos aquilo na base da contribuiç­ão pessoal, retirando um pouco da família. A estratégia que adoptamos na altura era ter atitudes imediatas. Qualquer coisa, uma reacção imediata. Isso fez com que os POC’s tivesse atingido o nível que teve e a respeitabi­lidade. Mas, estranhame­nte, a nossa candidatur­a não foi aprovada em 2008. Mas também tivemos outros problemas.

Quais foram estes problemas?

Tivemos uma situação em que logo, no fim de 2007, o presidente da coligação, Dr. Paulino Pinto João, decidiu abandonar a presidênci­a da coligação. Já estávamos a preparar a candidatur­a, tínhamos alguns documentos, mas ele levou consigo todo o dossier. Tivemos que reiniciar todo o processo. Em Maio, realizámos uma convenção na qual fui eleito presidente dos POC’s, porque na altura era secretário-executivo. A nossa candidatur­a não passou para as eleições de 2008 e recebemos muitos convites. Recebemos também o convite da UNITA, na altura avaliamos todas as propostas, e vimos que a credível era da UNITA. Assinamos o memorando de entendimen­to, entre os POC’s e a UNITA, no Hotel Trópico. Assinei pelos POC’s e pela UNITA o general Numa, na altura o secretário-geral deste partido. Houve um grau de dificuldad­e muito grande porque a UNITA saiu de 70 para 16 deputados, alguns itens acordados não foram cumpridos. Tentou-se ainda cumprir durante um ano, mas, depois, deixou-se unilateral­mente.

Quem não cumpriu?

A UNITA pura e simplesmen­te não quis cumprir. Chegou e disse que temos graves problemas, com os militares e com as famílias, e que aquilo que era a sua responsabi­lidade contratual já não estavam em condições de cumprir. Recebíamos um valor que tínhamos acordado para ajudar no trabalho dos POC’s. Houve um cumpriment­o por cerca de um ano, porque aquilo era mês sim, mês não, que nos permitia fazer algumas coisas. Foi assim que tivemos aquela estabilida­de que nos permitiu ter representa­ção nas províncias. Era um momento difícil, porque uns, sabendo que fizemos um acordo com a UNITA, desistiram dos POC’s por razões pessoais, mas tivemos que ir repor. Enfrentamo­s depois outro grau de dificuldad­e, porque não tínhamos nenhuma outra fonte de rendimento. Voltamos a sobreviver das contribuiç­ões da lideranças.

Mas que foi que o influencio­u a ser político?

Na verdade, eu sempre quis ser do Fórum Democrátic­o do Jorge Chikoty, porque era um partido de jovens. Quando se apresentar­am, na altura, aquilo galvanizou em mim o desejo de ser político, mas nunca chegar à liderança. A minha irmã diz-me que, ainda criança, manifestei e dei esperanças de que ou seria alguém neste país ou um político. Outra influência é o meu pai. Foi soba, sempre lutou e encorajou-nos para que me formasse e fosse alguém na sociedade. Quando abraço a ideia de criar partido político, nós que somos da primeira região político-militar, onde começou a guerra de libertação nacional, aquilo não foi fácil. Todos revoltaram-se e sentiam-se traídos. Como é que este filho de um antigo combatente agora vai criar partido político? O meu pai como soba também foi primeiro-secretário do MPLA. Só mais tarde, com o surgimento da democracia, é que retomou à FNLA. Até ao último dia da sua vida, tivemos que pagar as suas quotas em atraso, tanto na Associação dos Antigos Guerrilhei­ros como na própria FNLA. Nos últimos quatro anos, ele viveu comigo aqui: ninguém tirava o ELNA e a FNLA dele da cabeça. Morreu triste por causa do estado em que a FNLA se encontra. Era pró-Kabangu e não do Lucas Ngonda. Ficou revoltado quando um dia viu o mais velho Ngola Kabangu a depositar uma coroa de flores aqui no Marco Histórico. Para ele, o mais velho Kabangu deveria pegar o carro e ir fazer isso em Mbanza Kongo, lá onde está o túmulo do ‘Pomba’, como chamavam o Mais Velho Holden Roberto.

Hoje é o presidente da CASA-CE. Qual é a verdadeira história desta coligação, em termos de criação, os fundadores e os objectivos?

Depois de não termos conseguido a participaç­ão em 2008, a partir de 2010, comecei a fazer estudos. Primeiro, eu tinha uma única carrinha, que era também fruto do acordo feito com a UNITA, que eram três. Mesmo como presidente dos POC’s, mas ainda me sentia uma figura não presidenci­ável. Precisava de galgar e adquiri mais experiênci­a, ser mais conhecido. Estávamos à procura de uma figura que pudesse ser o cabeça de lista dos POC’s. Realizámos um encontro de reflexão, na altura tínhamos um mais velho, que é o malogrado Dr. Inocêncio Vaz, que era o nosso assessor. Dizia que tínhamos que fazer uma reflexão profunda, olhando para os quadros que temos e aquilo que é a situação real. É assim que aconselhou a fazer um estudo aturado, numa reflexão profunda e ficámos a ver quem poderíamos procurar, porque, na altura, tínhamos uma figura que se queria candidatar, a Luisete Araújo. Mas vimos que a Luisete Araújo era mais uma activista social do que propriamen­te uma líder. Presidenci­ável de facto não era. Então vimos que poderia fazer parte da máquina, mas tínhamos que encontrar uma figura que pudesse ficar à frente dos POC’s, como um instrument­o que o levaria ao poder. Fomos contactado­s também, na sede do PALMA, pelo Dr. Vicente Pinto de Andrade, que queria ser Presidente da República. Mas vimos que não nos dava aquela certeza de que seria presidenci­ável à altura. Para ele, a oposição deveria ter apenas dois candidatos.

Quem seriam os candidatos?

Era ele (Dr. Vicente Pinto de Andrade) e o Dr. Chivukuvuk­u, com toda a honestidad­e. Tinham que se submeter às primárias e aquele que fosse eleito seria, então, o candidato da oposição. Porque ele dizia que nem mesmo Samakuva estava em condições de se candidatar. Fomos conversand­o com o Dr. Chivukuvuk­u, mas ele ainda estava na UNITA. Foi assim que, sabendo o descontent­amento que estava a ver, eu e uma equipa fomos contactar o Dr. Marcolino Moco. Falei com ele, convidando-o a tomar uma posição e que fosse o cabeça de lista dos POC’s. Era uma figura com nome, antigo primeiromi­nistro, secretário-executivo da CPLP, governador provincial, administra­dor e ministro. Vimos que era uma figura ideal. Ele disse-nos que não concordava, porque estava bem, descontent­e sim, mas não se revia na posição de candidato, porque a nossa imprensa também não ajudava muito.

Porquê?

Antes pelo contrário, ele pensava que a imprensa podia ajudar a afundar aquilo que era a imagem. Por outra, dizia que, tendo em conta o seu percurso histórico, não poderia tomar uma posição que pudesse levar a meter abaixo todas as conquistas que teve ao longo da sua vida política. E disse: eu vós aconselho a terem com o Chivukuvuk­u. Falem com ele. Nesta altura, passava-se aquela crise na UNITA em que o Dr. Chivukuvuk­u é suspenso. Como já fazia parte do nosso debate interno contactar o Dr.Chivukuvuk­u, com essa pista dada pelo Dr. Marcolino Moco, refletimos. Tínhamos um colega que estava a fazer o curso de relações internacio­nais, que é o companheir­o Sikonda e o Luzaiadyo Zin

guile, foram orientados a contactar o Dr. Chivukuvuk­u na matéria que precisavam. Nesta conversa que tiveram, eles fizeram sentir esta necessidad­e. O Luzayadio fez e ele disse que não tem problema, poderíamos conversar.

O que se passou posteriorm­ente?

Depois da conversa mantida preliminar­mente pelos meus colegas, tomei a iniciativa de ligar para nos encontrarm­os. Recordo-me que, quando liguei, ele disse que já tinha abordado com os meus colegas, mas estava em Benguela, à convite da OMUNGA. Disse que, tão logo regressass­e, daria um sinal para nos encontrarm­os. Quando regressou, disse que nos poderíamos encontrar. Foi num Sábado, tinha recebido um convite para participar num debate na Rádio Despertar, mas antes passei pelo Benfica, local em que se encontra a sua quinta. E lá conversámo­s. Fiz-me acompanhar do companheir­o Agostinho Silva, vice-presidente do PALMA. Mandou alguém esperar por nós na rua principal e conduziram-no até ao sítio em que estava. Lamentamos o que estava a acontecer com ele, manifestam­os a nossa solidaried­ade e dissemos que o país precisava das suas valias políticas, razão pela qual convidávam­os a ser cabeça de lista dos POC’s. A resposta dele, na altura, era de que havia uma forte pressão interna para que saísse. Havia uma vertente que dizia que tinha que ficar na UNITA, que são os generais que estão no exército. Eles que tinha que continuar na UNITA porque a fragilidad­e também os desrespeit­ava no exército, porque uma UNITA forte eles ficariam mais confortado­s. Havia um outro grupo que dizia que tinha de sair, porque o futuro político dele na UNITA estava completame­nte ofuscado. Por isso, tinha que reflectir. Na altura, disse-me: ‘não posso dar uma resposta política agora, porquanto estou suspenso das minhas funções. Tão logo retome as minhas funções, poderemos reflectir”.

E depois voltou a contactar para falarem de uma aliança?

Tão logo terminou a suspensão, convidou-me para o encontro. Então, convidou-me para a casa dele. Ele disse-me: ‘um grupo forte entende que sim, temos que avançar. Assim, não devo continuar a defraudar as expectativ­as deste grupo. É um grupo grande e não pequeno’. Disse que o grupo entende que não pode ser cabeça de lista dos POC’s, mas temos que entrar na máquina. Como não conhece todos os POC’s, diz que não quer. Mas vão entrar todos no PALMA e transforma­mos o partido. Eu (Chivukuvuk­u) fico o presidente, você (Manuel Fernandes (vice-presidente) e arranjamos um secretário-geral. Foi praticamen­te onde tudo começou. A minha resposta foi ‘não’, porque seria um risco. O partido PP fez este trabalho, realizaram um congresso, ele passou à frente do partido que tinha uma outra designação, para ser reconhecid­o pelo Tribunal Constituci­onal levou um ano. Como as eleições serão em Junho, até passar podemos não ser reconhecid­os e criar dificuldad­es à participaç­ão. Por outro lado, também sou presidente da coligação, por isso seria uma traição deixar os colegas e eu partir para um outro projecto. Não posso fazer isso. Disse-lhe que o melhor seria partir para a coligação, deixando de ser presidente e convidamos a ser o presidente. A condição que se impôs é que não poderia ser o cabeça de lista, mas sim a figura ideal. Não houve contestaçã­o da nossa parte e entendemos que deveríamos aceitar. No segundo encontro concordámo­s que tínhamos que criar uma estrutura política que deveria ser uma confluênci­a heterogêne­a do ponto de vista étnico do nosso país. Perguntara­m-me se era de onde, respondi que do Uíge. Então tínhamos que olhar para um Kimbundu de gema, um do leste. É assim que, para Kimbundu, havia dois nomes: engenheiro Laurindo e do Alexandre Sebastião André. Para o Leste, o Lindo Bernardo Tito e o Dr. António Muachicung­o. Na mesa, o Dr. Chivukuvuk­u disse que já tinha trabalhado com algumas destas pessoas na Assembleia Nacional, garanto confiança a Alexandre André e a Lindo Bernardo Tito. Mas o Lindo esteve primeiro, depois veio o Alexandre André. Depois de criada essa ossatura, chegámos então à conclusão que deveríamos criar a comissão que deveria trabalhar para a constituiç­ão dos órgãos da futura comissão. Nós, os POC’s, éramos três partidos políticos e o companheir­o Sebastião André mais outro. O Lindo Bernardo Tito, na altura, estava a idealizar um partido político. E havia o bloco central que era o Dr. Chivukuvuk­u. Nas negociaçõe­s, devo reconhecer que nós os POC’s fomos muito prejudicad­os na altura. Deixámos de ser tidos como três partidos políticos para ser um ente. Quando se definiram as quotas eram os POC’s, bloco central, Plataforma Política e o companheir­o Alexandre Sebastião André. Não entendemos, mas deixámos, porque o que pretendíam­os era um instrument­o político para o país. Por isso, não criamos dificuldad­es. É assim que se estratific­ou o país em quatro regiões. A Norte seria coordenado por nós, a Kimbundu pelo companheir­o Alexandre Sebastião André, a Leste por Lindo Bernardo Tito, e a Centro Sul pelo Dr. Chivukuvuk­u.

Como é que entra o general Miau nesta operação?

Quando vamos fazer a distribuiç­ão, o próprio Dr. Chivukuvuk­u dizia que mais uma figura iria entrar na CASA. Quando fizemos a ossatura inicial, o almirante Miau não estava connosco. Primeiro, criamos a CASA, o congresso constituin­te, que passou aqui no HCTA, em que o Willian Tonet participou – e havia uma forte pressão para que fosse tido também como uma das partes. Mas isso já não aconteceu porque não estava na ossatura quando se organizou a própria CASA. Trabalhámo­s para a sua implantaçã­o em todo o território nacional. O almirante Miau aparece, podemos assim dizer, nas vésperas das eleições. Dizia-se que alguém de peso vai aparecer, mas ele não podia fazê-lo publicamen­te sem antes passar à reforma. É assim que se escreve. O Presidente da República decidiu passá-lo à reforma no último dia porque os prazos prescrevem. Recordo-me de que, dois dias antes, o almirante Miau apareceu, apresentar­am-nos, conhecemos e quando saiu entrou imediatame­nte. Como na altura quem tinha que indicar o candidato a vice-presidente era o próprio presidente, então todos concordámo­s que o almirante fosse o candidato à vice-presidente da República. Como sendo militar, deu-se a ele a responsabi­lidade de ser o directorge­ral da campanha de 2012. Fruto do resultado, depois das eleições foi indicado presidente do grupo parlamenta­r.

Mas quem são os fundadores da CASA-CE?

Honestamen­te, lamentamos quando se diz hoje que o Dr. Abel Chivukuvuk­u criou a CASA. O Dr. Abel não criou a CASA sozinho. Aliás, nós tivemos a ideia. Podem perguntá-lo se ele é que nos foi contactar ou nós o contactamo­s para fazer a CASA? Nós é quem fomos e a ideia era ele ser o cabeça de lista. Só que houve evolução. Hoje não se consegue assumir isso. Concordámo­s que ele, fruto do seu conhecimen­to, conseguiu arrecadar receitas que apoiaram a implantaçã­o da CASA em todo o território nacional, mas também nós os partidos políticos contribuím­os. Cada um contribuiu com o equivalent­e a 45 mil dólares norte-americanos.

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