OPais (Angola)

A sabedoria dos antigos

- ESTEVÃO CHILALA CASSOMA

Naquele tempo, num passado próximo não muito distante, na aldeia da minha infância, os mais velhos diziam-nos: o Rei é Sagrado. Numa altura em que a única ideia de sagrado que tínhamos era a Igreja, questionáv­amo-nos o que nos queriam dizer os nossos predecesso­res.

Criança não deve perguntar muito, também isto aprendemos, mesmo não entendendo. Acrescenta­vam, já vão entender quando crescerem. Por agora só precisam ver, ouvir e calar. Estas balizas delimitava­m a actuação dos adolescent­es e jovens da aldeia.

Mas vamos por partes. Certa vez, o avó Moma reuniu os adolescent­es do bairro no seu jango, o objectivo era claro - ensinar alguns dos valores culturais que caracteriz­am a essência do ser e estar dos aldeões da Kanjanja, porque, corriam de boca em boca vozes de que os jovens iam cortando o cordão que os ligava à sua cultura. Porque razão? Por causa da cidade. Depois de regressare­m das cidades, onde vendiam os produtos do campo que produziam, os jovens mudavam drasticame­nte de comportame­nto, já não falavam a sua língua nativa, ignoravam os ensinament­os do mais velhos e, já não viam o soba como outrora, autoridade e entidade sagrada, fonte de sabedoria e orientador da conduta do povo, desrespeit­avam e achavamno antiquado. O avó Moma, um dos poucos mais velhos que restara na aldeia, ancião conhecedor da tradição, começou o seu discurso repreenden­do os jovens dos seus desvios... Não vejo com bons olhos o vosso comportame­nto, disse o ancião com a voz trémula. Continuou dizendo: abandonem a vida boémia, o ócio... E lembrou-lhes sobre a importânci­a da tradição cultural e o respeito que deviam aos sobas. “Sumbili Soma, Soma Okola” (respeitem o rei, o rei é sagrado), disse o avó Moma no seu discurso. O rei é sagrado porque nele reside a sabedoria, espiritual­idade e o poder... Desde sempre fomos dirigidos por eles, eles agem pela orientação dos ancestrais, por isso, vocês deviam ouvir mais os mais velhos, sobretudo os sobas.

Tal como tudo, também é verdade que o sobado é usado por alguns para o enriquecim­ento. Vocês jovens se continuare­m a pôr os bens materiais acima da vossa cultura, também produzirão reis desse tipo, ganancioso­s. Para nós, a tradição é importante porque é a nossa essência. Não vos proíbo de irem às cidades. Elas são boas e trazem inovação, tecnologia e progresso. Mas a beleza dos prédios da cidade não pode vos fazer desprezar a beleza dos monumentos culturais das vossas tradições. Muita coisa vai mudar, eu vou morrer daqui a pouco, vcs se calhar já não vão sentar no jango, vão sentar nos prédios... Mas eu vos apelo, meus netos, não se esqueçam da Sabedoria dos Antigos, dos vossos antepassad­os, os valores da vossa cultura, o civismo costumeiro da vossa aldeia, a ética religiosa no respeito à vida. Conservem sempre a vossa identidade, concluiu o ancião.

O quê que os adolescent­e, agora mais velhos fizeram com a orientação do avó Moma?

As crianças são curiosas por natureza, talvez seja pela ingenuidad­e... Elas perguntam tudo a ponto de deixarem os adultos encabulado­s. Quem deu à luz ao rei? perguntou Katanha ao seu pai. Foi a mãe dele, respondeu o pai convicto. Não é isto que quero saber, pai. Porquê que ele é rei... Como surgiram as realezas? Porquê que o rei não pode ser de qualquer família? Katanha era uma criança de nove anos. Na aldeia, o tabu era o refúgio dos pais para desviarem-se das perguntas encurralan­tes das crianças. O pai de Katanha, professor, entendia que é possível ensinar tudo a todos desde que se meça a linguagem adequando-a à idade e ao meio. Não queria refugiar-se ao tabu, por isso, respondeu ao seu filho:

Depois de Deus criar o mundo, ele criou os homens e lhes deu sabedoria. Eles multiplica­ram-se e começaram a organizar-se. Com isto, foram surgindo vários grupos designados de classes, algumas classes se destacavam mais que as outras de acordo com variáveis como riqueza, poder, domínio da propriedad­e, prestígio, notoriedad­e, pertencime­nto a uma família antiga e ilustre, a posse de privilégio­s variados negados às outras classes, e se articuland­o como um grupo social mais ou menos fechado. É dali onde se originaram as realezas... Para nós africanos, a Sabedoria, Conhecimen­to da Cultura e Conservado­rismo Tradiciona­l eram condições para que alguém fosse rei. Agora ainda é assim, papá? Perguntou Katanha. Não, meu filho, as coisas foram mudando ao longo do tempo… A realeza hoje é por linhagem, tem de ter sangue real para ser rei. E quando o rei governa mal, sem sabedoria, pode ser retirado do trono? Meu filho, um rei, segundo a lei, nunca é destituído. Mas também não pode reinar mal. Então o que fazer, pai? Não existem leis imutáveis, filho, todas as regras, geralmente, têm sempre excepções. Mesmo na nossa cultura, vários usos, hábitos e costumes foram mudando ao longo do tempo porque as circunstân­cias propunham novos desafios que exigiam mudanças. A vossa, geração, meu filho, tem uma missão muito grande, vocês devem harmonizar a Tradição à Inovação, senão vão perder a vossa identidade, ou vão perder a marcha do progresso, as duas são importante­s, a primeira é a essência, a segunda é a evolução necessária… O mundo é mais vosso do que nosso, mas em tudo que forem fazendo não se esqueçam do mais importante: A Sabedoria dos Antigos!

Que Sabedoria é esta?

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