A sabedoria dos antigos
Naquele tempo, num passado próximo não muito distante, na aldeia da minha infância, os mais velhos diziam-nos: o Rei é Sagrado. Numa altura em que a única ideia de sagrado que tínhamos era a Igreja, questionávamo-nos o que nos queriam dizer os nossos predecessores.
Criança não deve perguntar muito, também isto aprendemos, mesmo não entendendo. Acrescentavam, já vão entender quando crescerem. Por agora só precisam ver, ouvir e calar. Estas balizas delimitavam a actuação dos adolescentes e jovens da aldeia.
Mas vamos por partes. Certa vez, o avó Moma reuniu os adolescentes do bairro no seu jango, o objectivo era claro - ensinar alguns dos valores culturais que caracterizam a essência do ser e estar dos aldeões da Kanjanja, porque, corriam de boca em boca vozes de que os jovens iam cortando o cordão que os ligava à sua cultura. Porque razão? Por causa da cidade. Depois de regressarem das cidades, onde vendiam os produtos do campo que produziam, os jovens mudavam drasticamente de comportamento, já não falavam a sua língua nativa, ignoravam os ensinamentos do mais velhos e, já não viam o soba como outrora, autoridade e entidade sagrada, fonte de sabedoria e orientador da conduta do povo, desrespeitavam e achavamno antiquado. O avó Moma, um dos poucos mais velhos que restara na aldeia, ancião conhecedor da tradição, começou o seu discurso repreendendo os jovens dos seus desvios... Não vejo com bons olhos o vosso comportamento, disse o ancião com a voz trémula. Continuou dizendo: abandonem a vida boémia, o ócio... E lembrou-lhes sobre a importância da tradição cultural e o respeito que deviam aos sobas. “Sumbili Soma, Soma Okola” (respeitem o rei, o rei é sagrado), disse o avó Moma no seu discurso. O rei é sagrado porque nele reside a sabedoria, espiritualidade e o poder... Desde sempre fomos dirigidos por eles, eles agem pela orientação dos ancestrais, por isso, vocês deviam ouvir mais os mais velhos, sobretudo os sobas.
Tal como tudo, também é verdade que o sobado é usado por alguns para o enriquecimento. Vocês jovens se continuarem a pôr os bens materiais acima da vossa cultura, também produzirão reis desse tipo, gananciosos. Para nós, a tradição é importante porque é a nossa essência. Não vos proíbo de irem às cidades. Elas são boas e trazem inovação, tecnologia e progresso. Mas a beleza dos prédios da cidade não pode vos fazer desprezar a beleza dos monumentos culturais das vossas tradições. Muita coisa vai mudar, eu vou morrer daqui a pouco, vcs se calhar já não vão sentar no jango, vão sentar nos prédios... Mas eu vos apelo, meus netos, não se esqueçam da Sabedoria dos Antigos, dos vossos antepassados, os valores da vossa cultura, o civismo costumeiro da vossa aldeia, a ética religiosa no respeito à vida. Conservem sempre a vossa identidade, concluiu o ancião.
O quê que os adolescente, agora mais velhos fizeram com a orientação do avó Moma?
As crianças são curiosas por natureza, talvez seja pela ingenuidade... Elas perguntam tudo a ponto de deixarem os adultos encabulados. Quem deu à luz ao rei? perguntou Katanha ao seu pai. Foi a mãe dele, respondeu o pai convicto. Não é isto que quero saber, pai. Porquê que ele é rei... Como surgiram as realezas? Porquê que o rei não pode ser de qualquer família? Katanha era uma criança de nove anos. Na aldeia, o tabu era o refúgio dos pais para desviarem-se das perguntas encurralantes das crianças. O pai de Katanha, professor, entendia que é possível ensinar tudo a todos desde que se meça a linguagem adequando-a à idade e ao meio. Não queria refugiar-se ao tabu, por isso, respondeu ao seu filho:
Depois de Deus criar o mundo, ele criou os homens e lhes deu sabedoria. Eles multiplicaram-se e começaram a organizar-se. Com isto, foram surgindo vários grupos designados de classes, algumas classes se destacavam mais que as outras de acordo com variáveis como riqueza, poder, domínio da propriedade, prestígio, notoriedade, pertencimento a uma família antiga e ilustre, a posse de privilégios variados negados às outras classes, e se articulando como um grupo social mais ou menos fechado. É dali onde se originaram as realezas... Para nós africanos, a Sabedoria, Conhecimento da Cultura e Conservadorismo Tradicional eram condições para que alguém fosse rei. Agora ainda é assim, papá? Perguntou Katanha. Não, meu filho, as coisas foram mudando ao longo do tempo… A realeza hoje é por linhagem, tem de ter sangue real para ser rei. E quando o rei governa mal, sem sabedoria, pode ser retirado do trono? Meu filho, um rei, segundo a lei, nunca é destituído. Mas também não pode reinar mal. Então o que fazer, pai? Não existem leis imutáveis, filho, todas as regras, geralmente, têm sempre excepções. Mesmo na nossa cultura, vários usos, hábitos e costumes foram mudando ao longo do tempo porque as circunstâncias propunham novos desafios que exigiam mudanças. A vossa, geração, meu filho, tem uma missão muito grande, vocês devem harmonizar a Tradição à Inovação, senão vão perder a vossa identidade, ou vão perder a marcha do progresso, as duas são importantes, a primeira é a essência, a segunda é a evolução necessária… O mundo é mais vosso do que nosso, mas em tudo que forem fazendo não se esqueçam do mais importante: A Sabedoria dos Antigos!
Que Sabedoria é esta?