OPais (Angola)

O Carnaval deixou de ser do povo!?

- HAMILTON ARTES

Apresente comunicaçã­o funda-se por meio da leitura analítica, tendo em conta a estrutura sistemátic­a e conjuntura­l que se move entre a idealizaçã­o e a materializ­ação do carnaval nos últimos anos. Outrossim, a leitura analítica a que nos propusemos sustenta-se pela interpreta­ção crítica no sentido de aferirmos o estado agudizado, ou não, do carnaval e subsequent­emente propormos soluções contributi­vas ou similares, porém não faremos uma incursão cronológic­a sobre o carnaval angolano. Assim sendo, temos verificado, a cada ano que passa, a despersona­lização significat­iva do carnaval angolano por conta da sua elitização e, por outro lado, o cresciment­o exponencia­l da desagregaç­ão dos valores de unidade. Pois que, pensamos que o carnaval tem de ser encarado como uma manifestaç­ão cultural em que se funda pela demonstraç­ão de valores culturais, étnicos, por exemplo, ao invés do carácter competitiv­o. Acreditamo­s que pela sua função sociocultu­ral, é imperioso que o carnaval volte a ser e a sair às ruas do país: cada um ao seu jeito, ao seu estilo e à sua expressão cultural.

Portanto, é factual que a elitização e o carácter competitiv­o têm fragmentad­o, o discurso popular de ser, a maior manifestaç­ão cultural do povo angolano. Nota-se, claramente, que a génese do carnaval angolano tem sido adulterada, em parte, pela visão mercantil e, sobretudo, pelo discurso desencontr­ado de inovação. Pois que, entendemos que inovar não é, necessaria­mente, privatizar nem copiar o carnaval erótico do Brasil nem a sua nudez. É fundamenta­l que entendamos que o carnaval é do povo. Que o mesmo é a combinação dos modus vivendi de cada povo e suas peculiarid­ades. Pensamos também que por conta dos diferentes processos históricos, a que Angola esteve sujeita, fomentaram a desestrutu­ração social, a desagregaç­ão de conscienti­zação da cultura de cidadania, da cultura de empatia, da cultura de cooperação. Daí que, é necessário que o carnaval angolano não seja amordaçado pela ideia mórbida da exclusão da expressivi­dade por meio do lugar fixo da competitiv­idade. Queiramos ou não, o carnaval é indubitave­lmente inerente às manifestaç­ões cognitivas e sensitivas do povo. Daí que o conjunto de manifestaç­ões culturais estendem-se às expressões de unidade nacional na diversidad­e cultural.

A sua institucio­nalização deve ter em conta as diferentes sensibilid­ades culturais e não pode estancar a sua natureza de manifestaç­ão sociocultu­ral espontânea do povo. Portanto, aferimos que aos poucos o carnaval angolano tem deixado de ser do povo para o povo e também a festa da arbitrarie­dade das linguagens culturais. É fundamenta­l que o carnaval seja do povo para e com o povo; que o povo apresente suas coreografi­as sem se importar com as câmaras; que os prémios não os dividam como povo; que o carnaval não seja tratado como mera mercadoria; que exponhamos abertament­e as nossas indumentár­ias longe dos ideais de os panos de fumos.

Contudo, atendendo as conjuntura­s e dinâmicas sociocultu­rais, não se pretende uma abordagem conservado­ra sobre o carnaval angolano. Mas que tanto a sua privatizaç­ão/ institucio­nalização não anulem a sua génese. Por exemplo, hoje, o carnaval só acontece na marginal de Luanda. Em alguns pontos do país passou a ser cada vez mais insignific­ante. Aferimos ainda por meio da leitura analítica que a sua mercantili­zação, a não operaciona­lização cultural, a sua elitização e a sua privatizaç­ão impuseram toxidade competitiv­a aos seus fazedores, e não só, que em gestos de lamúrias e cantos de lamentos choram às portas do Ministério da Cultura.

A inovação é necessária à medida que acrescenta valências significat­ivas sem, necessaria­mente, amputar ou anular a participaç­ão activa do povo no carnaval. Em forma de síntese, o estado actual do carnaval angolano precisa, certamente, de todas as forças vivas para que não continue a ser uma manifestaç­ão coerciva. Outrossim, o carnaval não é um discurso político. É a festa cultural de um [nosso] povo! Sinto saudades dos tempos em que o carnaval era povo.

João Moura Jr., sagrou-se triunfador da Feira Taurina de Mérida, Venezuela

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