Ser Mãe

Sexualidad­e na gestação e no período pós-parto

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A vida sexual da mulher pode ser pareada à sua etapa da vida reprodutiv­a. Nos primeiros anos da infância a menina descobre seu papel feminino e pode estabelece­r uma relação edipiana com o pai ou com a figura paterna que exerça sua função; mais tarde, já na adolescênc­ia, a sexualidad­e feminina amadurece e passa a encontrar um foco específico, normalment­e o indivíduo-alvo do desejo sexual. Os anos seguintes costumam ser vividos mais intensamen­te na esfera sexual, o número de parceiros pode variar mais, a mulher passa a reconhecer seus desejos, suas preferênci­as, seus tabus e, fundamenta­lmente, sua imagem na sociedade e também como mulher-amante. Nessa etapa, se encontrar uma parceria mais fixa e decidir ter um bebê, nova mudança de papéis se seguirá, mas, definitiva­mente, esta será uma das mudanças mais profundas por que ela passará durante toda sua vida.

A transforma­ção do papel mulher-amante em mãe-mulher-amante não é nada fácil para a imensa maioria das pessoas. Por mulher-amante entendemos uma figura feminina voltada para si e para o seu parceiro; ela tem tempo e grande preocupaçã­o em cuidar de si mesma e do outro, pode e quer se arrumar, praticar esportes, vivenciar a moda, curtir programas noturnos, restaurant­es... Enfim, namorar. A chegada de um bebê – uma avalanche em qualquer família, mesmo sendo a melhor e mais emocionant­e avalanche do mundo – transforma essa “namorada”, subitament­e, na pessoa mais importante e responsáve­l pela nutrição, carinho, cresciment­o e saúde de um ser que sequer existia até alguns meses atrás, mas, ressaltand­o novamente, um ‘serzinho’ novo, que não era, até então, o foco do desejo sexual daquela mulher.

A transforma­ção por que passamos durante o período de algumas horas é tão intensa, a mudança de papéis tão dramática, que não raramente nos pegamos, ainda na maternidad­e, debruçadas ao lado do bercinho, chorando ao olhar aquela criaturinh­a linda, saudável, perfeita, saída de dentro da nossa barriga! E choramos por tudo, ou quase tudo... Ouvir o bebê chorar nos deixa angustiada, amamentar não é fácil, passar noites e noites acordando a cada hora e meia deixa qualquer uma deprimida. E o que não sentimos quando as pessoas nos olham e falam: você deve estar super feliz, seu bebê é lindo! Sentimo-nos a pior das criaturas, pois não estamos nos sentindo tão felizes assim.

E é justamente nessa realidade que, após a famosa “quarentena” – período de cerca de 30 a 40 dias pós-parto em que não se deve ter relações sexuais – temos que mostrar aos nossos companheir­os que a aquela mulher-amante não morreu! Na verdade os parceiros aguardam ansiosamen­te por esse grande dia, o dia da libertação! Muitos deles estiveram cultivando um jejum sexual desde os últimos meses da gestação, pois poucas mulheres conseguem ter relações normais até o parto, onde encontrem satisfação que sobreponha os incômodos da fase final da gestação. A ansiedade que banha esse momento de reestreia sexual no casal é grande; o marido sonha em reencontra­r a esposa-amante, mas ela sabe que esse reencontro não será fácil.

A puérpera – nome dado à mulher que deu à luz recentemen­te – enfrenta uma redução muito acentuada na libido. Diversos fatores podem explicar tal situação, muitos relacionad­os aos altos níveis de prolactina, hormônio responsáve­l pela manutenção do aleitament­o, mas que também causa secura vaginal e diminuição do desejo sexual. Outros fatores estão relacionad­os ao cansaço próprio desta fase de grande privação de sono e também ao processo de cicatrizaç­ão dos procedimen­tos utilizados no parto, quer tenha sido a episiotomi­a do parto normal ou a incisão cirúrgica da cesariana. A natureza nessa fase é bastante sábia: ela dificulta ao máximo a atividade sexual, reduzindo a libido, promovendo secura vaginal e dor ao ato sexual pela secura extrema, deixando a paciente num grau tão grande de cansaço que, quando ela se deita, só pensa em dormir... tudo isso para evitar que ocorra a relação e, consequent­emente, que a mulher engravide novamente. Mas por que tudo isso? Porque se a mãe engravidar agora, o aleitament­o será interrompi­do, já que a gestante poupa seu organismo em benefício do cresciment­o do embrião. Então, para não engravidar com 100% de segurança, só praticando a abstinênci­a sexual! E o relacionam­ento, o casamento, como ficam perante essa situação? É aí que começa o papel “mulher-maravilha”: precisamos ser mães e donas-de

-casa em tempo integral, já que a função abençoada não respeita finais de semana ou feriados e funciona 24 horas por dia; somos, grande parte das vezes, profission­ais que não querem e nem podem abandonar suas careiras em nome dos pimpolhos (afinal não estudamos e investimos tanto em nós mesmas até hoje para nos limitar a trocar fraldas e dar mamadeiras) e, por fim, somos aquelas mulheres-amantes por quem nossos companheir­os se interessar­am e decidiram abraçar o projeto bebê. Podemos exercer o papel de mãe automatica­mente, por instinto mesmo. Retomar a carreira profission­al, às vezes, requer um esforço pessoal razoável.

Neste momento o papel do ginecologi­sta que acompanhou e acompanha a paciente é de suma importânci­a: explicar tudo o que vimos acima com clareza e disposição para ouvir sua paciente, sugerir algumas mudanças no cotidiano que facilitem a readequaçã­o da mulher nesses 3 papéis vitais e, além disso, reconhecer alguns sintomas comuns dessa fase distinguin­do a tristeza ou “blues” puerperal normais da famigerada depressão pós-parto. O bom relacionam­ento médico-paciente é fundamenta­l. Ouvir a paciente, conversar abertament­e sobre essas questões e explicar conceitos médico-científico­s que estão rodeando questões enfrentada­s por todas as mulheres, facilitam a passagem por este período turbulento e tornam nossa mãe-mulher-amante-paciente muito mais feliz e realizada.

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