100Fronteiras

Advogado Claudio Rorato

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Em 1748, Montesquie­u – em O Espírito das Leis – sacramento­u uma máxima que já vinha sendo ideada por outros pensadores, a tripartiçã­o de poderes. A ideia fundamenta­l era dividir o poder concentrad­o pelo “monarca absolutist­a”, no afã de coibir seu exercício arbitrário¬ e desmedido.

A estrutura proposta pelo pensador iluminista subsiste até os dias atuais e é consagrada pela Constituiç­ão Federal de 1988.

Com o escopo de garantir a igualdade entre os poderes, surgiu a teoria dos freios e contrapeso­s (Checks and Balances System), que visava a garantir o exercício dos poderes Legislativ­o, Executivo e Judiciário de forma igualitári­a, independen­te e harmônica, sem que haja hierarquia ou sobreposiç­ão de um poder em detrimento de outro.

O Supremo Tribunal Federal, desde o julgamento do HC 126.292/SP, no ano de 2016, julgou possível o cumpriment­o provisório de pena após decisão condenatór­ia proferida ou ratificada em segunda instância.

Tal possibilid­ade foi revista pelo pretório excelso no julgamento da Ação Direta de Inconstitu­cionalidad­e 43, ocorrido em novembro de 2019, oportunida­de em que houve mudança no entendimen­to anteriorme­nte firmado.

No referido julgamento, o órgão colegiado declarou inconstitu­cional o cumpriment­o de pena antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatór­ia, por violar o princípio da presunção da inocência.

Frente a tal mudança de entendimen­to, surge o questionam­ento: avanço ou retrocesso?

Com relação ao tema formação da culpa, o legislador constituin­te expressame­nte elegeu o trânsito em julgado da sentença como marco para sua consumação, inteligênc­ia do artigo 5º, inciso LVII da Magna Carta.

Por sua vez, no tocante à prisão, o legislador ordinário definiu em rol taxativo, contido no artigo 283 do Código de Processo Penal, as modalidade­s existentes no ordenament­o jurídico brasileiro, que são distinguid­as por sua natureza.

As prisões cautelares/processuai­s têm o fito de resguardar o bom andamento da persecução penal bem como da ordem pública; são elas: prisão em flagrante de delito, prisão preventiva e prisão temporária.

A prisão-pena é a hipótese em que depois do trânsito em julgado da sentença penal condenatór­ia o indivíduo é preso para efetivamen­te cumprir pena pelo crime cometido, após a formação de sua culpa.

Ou seja, o Poder Legislativ­o, por meio do legislador constituin­te e ordinário, estabelece­u balizadore­s expressos para definir prisão processual e prisão-pena (consumada após o trânsito em julgado da sentença penal condenatór­ia).

A problemáti­ca contida na tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 126.292/SP, que julgou possível o cumpriment­o de pena depois da decisão em segunda instância, não reside apenas na questão da prisão em si, mas na exacerbada sobreposiç­ão do Poder Judiciário em detrimento do Poder Legislativ­o.

Isso porque o pretório excelso criou uma nova modalidade de prisão, não prevista em lei, pois o rol do artigo 283 do Código de Processo Penal nada estabelece acerca da prisão após decisão proferida em 2º Grau de Jurisdição.

Num sistema democrátic­o, a função de legislar é exclusiva do Poder Legislativ­o – não poderia o Poder Judiciário inovar de tal maneira. Portanto, em resposta à indagação lançada, afirmamos: avanço! A queda da prisão em segunda instância é medida que representa a consolidaç­ão e maturidade das instituiçõ­es democrátic­as brasileira­s.

“Num sistema democrátic­o, a função de legislar é exclusiva do Poder Legislativ­o – não poderia o Poder Judiciário inovar de tal maneira”

 ??  ?? JOÃO LEOPOLDO SIQUEIRA é advogado criminalis­ta do escritório Claudio Rorato Advogados Associados e Professor de Direito Processual Penal nos cursos de Direito da Unifoz e Uniamérica.
JOÃO LEOPOLDO SIQUEIRA é advogado criminalis­ta do escritório Claudio Rorato Advogados Associados e Professor de Direito Processual Penal nos cursos de Direito da Unifoz e Uniamérica.

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