Um pontapé, há cem anos
A história de Vinícius e Vinícios não começou com um beliscão e uma pisadela. Foi mesmo um pontapé o primeiro contato, fruto da velocidade do então lépido Vinícius.
Canhoto, maroto, esperto, ele jogou a bola na frente e esperou. Vinícios armou o chutão, certo de que afastaria o perigo na direção da arquibancada. Acertou só uma canela.
O tempo fechou no campo de terra. Quando a poeira baixou, foi possível registrar escoriações diversas e ao menos um supercílio partido. Na pancadaria, passou despercebido o respeito entre os Viníciu(o)s. “Cheguei atrasado ali, cara. Foi mal.” “Tranquilo, mano.”
Como a fidelidade na várzea não é tão diferente da observada no futebol profissional, eles logo se viram vestindo as mesmas cores. E os bicos de Vinícios passaram a ser mais apreciados por Vinícius.
Este era um lateral daqueles que adoram apoiar e odeiam marcar. Aquele, volante brucutu, sempre soube que patrocinar as subidas do companheiro lhe aumentaria bastante a chance de vencer.
Em troca da proteção e da mudança de identidade —a fim de evitar problemas de comunicação, Vinícios virou Juca, apelido aleatório sugerido pelo capitão Tiuí—, Vinícius caprichava nas faltas e escanteios. Mirava a enorme e certeira cabeça do quase xará.
Passadas décadas, a cabeça continua enorme, mas o joelho já não permite a Juca bater bola. Já os joelhos de Vinícius resistem, em uma demonstração incrível de força para sustentar um corpo que não é mais lépido.
O que nunca mudou foi o respeito nascido no primeiro pontapé. E as cores das camisas usadas quando eles não estavam dentro de campo.
Hoje, o alvinegro e o alviverde comemoram um século do Dérbi. E celebram uma amizade que vale cem anos.