A graça de Carmen
Era com sua graça particular que Carmen Miranda avisava: “Eu não suporto costeletas nem bigode, no cinema nem por sombras a barbados eu me encosto”.
Havia algo, porém, que apagava imediatamente qualquer vestígio dessa aversão. “Se souber que o cabra tem um Cadillac, pode vir de cavanhaque... Ah, disso é que eu gosto!”
Como se vê, algumas repulsas não são irreversíveis. A brilhante interpretação da cantora —no último verso de cada estrofe da canção de Luiz Peixoto e Vicente Paiva— ilustra bem o momento em que a repugnância se transforma em euforia.
“Uma casa com varanda na Tijuca? Isso, sim! Fico maluca! Disso é que eu gosto”, debochava.
Poucos perdem o pudor com a leveza de Carmen.
Fábio Carille, por exemplo, não conseguiu imitar seu sorriso. E fez um papel ridículo ao justificar a partida à Arábia Saudita, dois dias depois de chamar de mentirosos os que noticiaram seu adeus.
“Falo de coração e gratidão. Só vou sair do Corinthians no dia em que me mandarem embora. Pode vir um caminhão de dinheiro. Não saio”, afirmara o treinador, meses antes de o Al-wehda aparecer com o carregamento, sem a necessidade de combustível brasileiro.
“Ah, disso é que eu gosto”, disse aos pais. Aos mais de 30 milhões de alvinegros, não se ruborizou ao explicar que foi seduzido pelo “projeto” de fazer o Campeonato Árabe o maior do mundo.
Com os conselheiros do Palmeiras, deu-se algo semelhante. O banquete em que Leila Pereira fez campanha pela mudança de estatuto do clube foi um fracasso de público. Dias mais tarde, porém, foi aprovada a proposta que dará à milionária patrocinadora a possibilidade de ser presidente alviverde em 2022.
A justificativa foi a “modernidade” das novas regras do jogo. Prefiro a graça de Carmen.