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Ricos compravam sepulturas dentro de igrejas ou em terreno próximo

- (WC)

Enquanto o Cemitério dos Aflitos recebia aqueles que não tinham grana para providenci­ar uma sepultura, ricos compravam terrenos dentro das igrejas da capital para serem enterrados. Quanto mais próximo do altar ficava o túmulo, mais poderosa era a pessoa.

“A nata da sociedade sempre comprou terrenos dentro das igrejas. Isso ocorria também na Europa”, diz a arqueóloga Leila Maria França.

A situação começou a mudar apenas em 1858, por problemas sanitários, com a inauguraçã­o do Cemitério da Consolação (região central), para onde foi levada inclusive parte das ossadas de pobres e excluídos.

Segundo Leila e a também arqueóloga Sónia Cunha, a capital conta com uma série de cemitérios desativado­s, como ao redor da Capela de São Miguel Arcanjo, em São Miguel Paulista (zona leste). Outro destaque é a área próxima ao Museu de Arte Sacra, na Luz (região central).

Também há confirmaçã­o de presença pré-histórica na área onde hoje é a capital, bem como dos índios. “Existem notícias de urnas funerárias indígenas no Brás [região central]”, diz Sónia.

Quem passeia pela Liberdade (centro) e vê luminárias japonesas e símbolos orientais pode não saber, mas está pisando em um cemitério de negros escravizad­os e pessoas desvalidas, onde foram encontrado­s, nos últimos meses, sete ossadas de ao menos 150 anos atrás.

A demolição de um prédio antigo para a construção de outro mais moderno na altura do 69 da rua Galvão Bueno foi a brecha para escavações que, desde outubro, permitiram a arqueólogo­s encontrar os ossos.

Por lei, obras que mexam com o subterrâne­o local precisam de acompanham­ento arqueológi­co. Foi assim que se chegou às ossadas, em parte do antigo Cemitério dos Aflitos (1775 a 1858), quadriláte­ro formado por Galvão Bueno e ruas da Glória, dos Estudantes e Radial Leste.

“Ficava muito perto da forca”, diz a arqueóloga Sónia Cunha, da empresa responsáve­l pelo trabalho. A forca é onde eram executados criminosos e negros que tentavam fugir da escravidão. Segundo Sónia, o fato de os ossos estarem desacompan­hados de restos de adornos ou de pregos de caixão indicam que seriam pessoas pobres. Um dos corpos estava com contas de vidro, que indicariam que a pessoa era seguidora de uma religião africana. A intenção é identifica­r, até o início do ano, a idade, etnia e eventuais doenças dos mortos.

A escavação é acompanhad­a pela arqueóloga do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Leila Maria França, que vê na localizaçã­o das ossadas uma maneira de trazer à tona a história do Brasil. “A sociedade não era feita só de poderosos, mas de excluídos. Existia a escravidão. É uma forma de dar voz a essas pessoas.”

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