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O melhor do pior

Ídolo do “pior time do mundo”, Mauro Shampoo morou na rua e comeu restos de comida antes da fama

- Alberto nogueira

“É no gol contra que se testa a alegria / Gol de placa é fantasia / Pois baião não é blues / E toca a bola que essa bola tá pirada / Sempre faz a curva errada / E nosso gol fica nu”, cantou Oswaldo Montenegro em homenagem a Mauro Shampoo, lenda do Íbis, o pior time do mundo.

A música é um resumo da vida do pernambuca­no Mauro Teixeira Torpe, 62 anos, cabeleirei­ro e ex-meia, autor de um único gol na carreira.

Shampoo, como ficou conhecido, é uma figura folclórica do futebol brasileiro, cujo apelido foi inspirado por um filme homônimo, lançado em 1975. Nele, Warren Beatty interpreta George, um cabeleirei­ro de mulheres.

O próprio virou tema de dois documentár­ios. “Mauro Shampoo: Jogador, Cabeleirei­ro e Homem” —eleito melhor curta do Cinefoot de 2010— e “Mauro Shampoo: O Pior Camisa 10 do Mundo”.

Dono da barbearia Arena Shampoo, localizada na galeria Praia Sul Shopping, no Recife (PE), ele é considerad­o o maior jogador da história do Íbis, onde atuou o campeão mundial Vavá.

“Eu fiz um gol na carreira só e o pessoal ainda fala que foi contra”, diz o ex-camisa 10. A marca, contudo, ocorreu numa derrota por 8 a 1.

Com 80 anos de existência, a equipe da cidade de Paulista (PE) ganhou fama mundial ao entrar para o Guinness Book (Livro dos Recordes). No início da década de 1980, o Pássaro Preto —seu símbolo— passou por jejum de três anos e 11 meses sem vencer —55 jogos, 48 derrotas e 7 empates.

“O Mauro representa o Íbis raiz. Apesar de não ter jogado durante a pior fase da equipe, ele chegou [em 1986] com status total de jogador ruim e perdeu muitos jogos por aqui. O estilo e o marketing que ele mesmo faz ajudou na fama”, diz Nilsinho, responsáve­l há oito anos pelas mídias sociais do time pernambuca­no, famoso também por provocar equipes do Brasil e do mundo quando estão em má fase.

Mauro é carismátic­o, conhecido por sua cabeleira e seu alto astral. Sempre alegre, de fala rápida e às vezes improvisad­a como repente, recebe sua clientela e turistas curiosos vestido com o uniforme do clube que lhe deu projeção nacional.

No entanto, essa alegria vista hoje foi construída após muita dificuldad­e e tristeza.

Quando criança, viveu na favela da Vila do Ipsep, na zona sul de Recife, com seus 14 irmãos. A vida que já não era fácil para a família, ficou ainda pior quando o pai, Adalto, adoeceu e ficou cego.

“Eu saía por aí com meu pai pedindo ‘uma esmolinha pro ceguinho’”, conta.

Perder o pai foi questão de tempo. O menino, então, passou a vender pastel na praia de Boa Viagem, onde também batia uma bola com outros garotos. “Eu era esquerdo [canhoto], baixinho e cabeludo. Parecia o Maradona”, recorda-se.

Aos 10 anos, passou a viver nas ruas do Recife para economizar tempo e transporte. Voltar para casa, só uma vez por semana e para levar dinheiro para a mãe, Iracema.

Nas ruas, onde ficou até os 14 anos, conheceu “uns maloqueiro­s”, comeu restos de comida, cuidou de carros e engraxou sapatos.

Graças ao comerciant­e Maneco, conheceu um salão de cabeleirei­ro, onde fazia faxina e aprendia sua futura profissão. Também teve também a chance de brigar pelo sonho de criança: ser jogador de futebol. Ele fora descoberto por Jauber Carvalho, treinador da base do Náutico, durante um bate bola na praia.

Foram quatro anos de treinament­os no clube pernambuca­no, inclusive completand­o a atividade dos profission­ais, até que um novo treinador chegou e o dispensou. A tristeza bateu forte.

Chegada ao Íbis

O início da década de 1980, Shampoo e um jovem chamado Ricardo Rocha —tetracampe­ão com a seleção brasileira—, então com 17 anos, foram reservas do extinto Santo Amaro (PE) na Taça de Bronze de 1981 —a Série C do Brasileiro.

No ano seguinte, o Santo Amaro cedeu Rocha ao Santa Cruz (PE). Já Shampoo ficou e foi parar no Íbis em 1986.

“Eu fui jogador de mentira. Nunca ganhei para jogar profission­almente. Foram dez anos de Íbis, dez anos de derrotas. Era triste. Meus filhos tinham vergonha de saber que eu jogava no Íbis”, desabafa o ex-meia.

O sofrimento fazia parte. Por mais difícil que fosse a vida no futebol, Mauro ainda tinha a profissão de cabeleirei­ro. A mesma acabou alavancada pela fama do clube, e deu-lhe tudo o que possui: sua esposa, Márcia (apelidada de Pente Fino), e os três filhos, Mauro (Shampoozin­ho), Hamyna (Creme Rinse) e Hamed (Secador), além da Arena Shampoo e a simpatia de todos que o conhecem.

 ?? Heudes Regis/folhapress ?? ■ Mauro Shampoo, ex-jogador do Ibis Sport Club, no seu salão de beleza, Arena Shampoo; ex-camisa 10 se dividiu entre o futebol e a profissão de cabeleirei­ro, após passar por maus bocados nas ruas do Recife
Heudes Regis/folhapress ■ Mauro Shampoo, ex-jogador do Ibis Sport Club, no seu salão de beleza, Arena Shampoo; ex-camisa 10 se dividiu entre o futebol e a profissão de cabeleirei­ro, após passar por maus bocados nas ruas do Recife

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