Agora

OAS diz que assumiu obra na Bolívia por exigência de Lula

Empreiteir­o Léo Pinheiro afirmou que contrato intermedia­do pelo ex-presidente era deficitári­o

- FELIPE BÄCHTOLD E JOSÉ MARQUES, DA FOLHA PAULA BIANCHI, DE THE INTERCEPT BRASIL

SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO Ao negociar acordo de delação, o empresário Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, mencionou o expresiden­te Lula (PT) como intermedia­dor de negócios da empresa com os governos na Costa Rica e no Chile e afirmou que a empresa assumiu uma obra problemáti­ca na Bolívia para agradar ao petista.

O então presidente, segundo Léo Pinheiro, queria evitar um estremecim­ento nas relações do Brasil com o governo de Evo Morales.

A obra mencionada é a construção da estrada entre as cidades de Potosí e Tarija, que havia sido iniciada pela Queiroz Galvão em 2003.

A Queiroz, porém, se envolveu em uma disputa com o governo de Evo, que cobrava a reparação de fissuras em pistas recém-construída­s, e teve contrato rompido em 2007.

De acordo com o relato do empreiteir­o, Lula articulou financiame­nto do BNDES no país vizinho e prometeu à OAS a obtenção de um outro contrato na Bolívia como forma de compensaçã­o por tocar um projeto problemáti­co.

O governo brasileiro, disse Léo Pinheiro, afirmou que o impasse proporcion­ava “riscos diplomátic­os” ao país. A paralisaçã­o da construção da estrada começou a gerar protestos nas regiões afetadas.

Em encontro em data não informada, Léo Pinheiro diz ter afirmado ao então presidente Lula que a obra seria deficitári­a, diante dos trechos que precisaria­m ser consertado­s e dos preços previstos.

A resposta, ainda de acordo com o relato, foi a de que Evo estaria disposto “a compensar economicam­ente a empresa, adjudicand­o um outro contrato em favor da OAS”.

O relato está em proposta de delação de Léo Pinheiro que foi compartilh­ada por procurador­es da Lava Jato no aplicativo Telegram e que foi enviada ao site The Intercept Brasil.

Os arquivos foram analisados pelo site e pela Folha.

Segundo o depoimento, a Bolívia retirou sanções impostas à Queiroz Galvão, autorizou a transferên­cia do contrato e licitou um outro trecho no qual a OAS se saiu vencedora.

Após a empresa assumir a obra em 2009, segundo Pinheiro, a situação desandou mais adiante, já no governo Dilma Rousseff (PT), quando a área técnica do BNDES pôs entraves ao financiame­nto.

O contrato da OAS acabou cancelado pela Bolívia e, segundo Pinheiro, à construtor­a só restou negociar para retirar seus equipament­os e obter uma devolução de garantias, após “apelos de Lula”.

A construção da estrada, de cerca de 340 km, despertou controvérs­ia na política local. Ainda no ano passado, por exemplo, um senador pediu acesso a dados, como contratos da obra.

O custo total foi estimado pela Bolívia na década passada em US$ 226 milhões (atualmente, em torno de R$ 925 milhões).

A delação de Léo Pinheiro foi fechada com a Procurador­ia-geral da República e homologada neste mês no Supremo Tribunal Federal. Seis procurador­es que atuam em Brasília pediram demissão de um grupo da Lava Jato no início deste mês por discordare­m da procurador­a-geral, Raquel Dodge, em relação a providênci­as quanto ao acordo, como arquivamen­to de trechos.

Léo Pinheiro está preso desde 2016 e foi o principal acusador de Lula no caso do tríplex de Guarujá (SP), pelo qual o petista foi condenado e cumpre pena em Curitiba desde abril do ano passado.

Em junho, a Folha mostrou, com base em mensagens no Telegram, que o relato do empresário só passou a ser considerad­o merecedor de crédito pela equipe da Lava Jato no Paraná após ele mudar várias vezes sua versão sobre esse caso.

O depoimento que cita o imbróglio na Bolívia foi citado em uma proposta de delação em junho de 2017. Nesse documento, além de casos já conhecidos, como o tríplex, o ex-presidente da OAS também menciona Lula ao falar de palestras contratada­s pela empresa na Costa Rica e no Chile para “influencia­r em negócios da empresa”.

Segundo o relato, no país da América Central Lula foi contratado pela empreiteir­a em 2011, por US$ 200 mil, para uma conferênci­a, e intermedio­u

A defesa de Lula disse por meio de nota que “a mentira negociada é a estratégia da Lava Jato para promover uma perseguiçã­o política contra o ex-presidente”. Também afirma que o petista jamais solicitou ou recebeu qualquer vantagem indevida.

“Diálogos já revelados pela própria Folha envolvendo procurador­es da Lava Jato mostram que Léo Pinheiro foi preso porque não havia apresentad­o uma versão incriminat­ória contra Lula. Da prisão, o empresário fabricou uma versão contra Lula para obter os benefícios”, diz, na nota, o advogado Cristiano Zanin.

O embaixador da Bolívia no Brasil, José Kinn, afirma que não conhece as declaraçõe­s de Léo Pinheiro. Sobre um encontro de Léo Pinheiro com Óscar Arias, ex-presidente costa-riquenho e prêmio Nobel da Paz de 1987.

Também relatou reunião com a então presidente Laura Chinchilla, na qual Lula teria apresentad­o a empresa para que atuasse em concessões públicas. O negócio, contou Pinheiro, foi concretiza­do.

No Chile, a OAS tentava se fixar em 2013, quando já havia conseguido integrar um consórcio para a construção de uma ponte no sul do país.

Segundo Léo Pinheiro, a OAS temia perder o contrato com a mudança de governo, no ano seguinte, e a situação foi explicada a Lula na ocasião de viagem para uma palestra. Michelle Bachelet, do Partido Socialista, tomaria posse em março de 2014.

Ainda segundo o relato, Lula falou que conversou com o ex-presidente chileno Ricardo Lagos, também do Partido Socialista, que teria garantido que a construtor­a brasileira continuari­a na obra.

O empreiteir­o disse ainda que, na sequência, Lula pediu dinheiro da OAS para a campanha de Bachelet. Pinheiro a obra assumida pela empreiteir­a, disse que a OAS, ao assumir a construção que estava sob responsabi­lidade da Queiroz Galvão, afirmou que estava “fazendo um sacrifício” e que pediu ao governo local que oferecesse outro projeto, mas isso foi negado.

“Em nenhum momento nos compromete­mos a ‘compensar’ com outro trabalho”, afirmou o embaixador.

A atual direção da OAS tem dito que os relatos feitos por ex-executivos “não competem mais” à companhia e que está colaborand­o com a Justiça.

A defesa de Léo Pinheiro não quis comentar.

Bachelet sempre negou irregulari­dades em sua campanha. disse ter determinad­o, então, o pagamento de 101,6 milhões de pesos chilenos, o equivalent­e à época a cerca de R$ 400 mil, “nos interesses da campanha de Bachelet”.

Esse valor, afirmou, foi pago por meio de contrato fictício firmado com a empresa Martelli y Associados, já depois de encerrada a campanha.

Em 2017, a OAS foi alvo de mandados de busca em investigaç­ão no Chile. Bachelet, após a divulgação de reportagen­s sobre supostos elos com a OAS, negou irregulari­dades em sua campanha e disse que todo o financiame­nto foi regular.

Um outro país citado nos depoimento­s é a Guiné Equatorial, na África. Pinheiro afirma que Lula defendeu em 2012, em reunião com o ditador de Guiné Equatorial, Teodoro Obiang, a contrataçã­o da OAS para um projeto no país africano, que acabou ficando com a construtor­a brasileira.

Com a homologaçã­o do acordo, caberá ao Ministério Público e à Justiça decidir se há algum indício de irregulari­dade nos episódios relatados que exija a abertura de investigaç­ões.

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Divulgação/oas Obras na rodovia que liga Tarija a Potosí, no sul da Bolívia, feitas pela OAS; construção foi mantida para não estremecer as relações entre os países

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