Ennio Morricone era capaz de compor para qualquer filme
Maestro, morto aos 91 anos, ajudava a arquitetar as cenas pela música
ANÁLISE
Se há uma coisa que não falta na Itália são grandes músicos. E o cinema italiano estava repleto deles, quando se ouviu pela primeira vez o violão e o som de assobio no letreiro de “Por um Punhado de Dólares”. Era a música de um gênio que surgia, Ennio Morricone.
O ano era 1964, o faroeste espaguete apenas acabara de nascer e ninguém sabia quem era Clint Eastwood e menos ainda Sergio Leone. Mas o toque de violão, o assobio, logo nos letreiros chamavam a atenção. Não bastava para tirar a má fama que o novo faroeste peninsular tinha entre os fãs do gênero. Mas já se podia ouvir algo diferente, absolutamente original.
Tanto Eastwood quanto Leone se afirmaram com o tempo, mas a música de Morricone, árida como a paisagem, calma como o pistoleiro Joe, enérgica como seu rival, papel de Gian Maria Volontè, já se fazia notar.
Poucos anos depois, em 1968, uma gaita consagraria o personagem de Charles Bronson em “Era uma Vez no Oeste”. A marca do compositor de faroestes estava lá e não o abandonaria. Seu último trabalho de destaque, com o qual, aliás, ganhou o Oscar, foi em “Os Oito Odiados”, de Quentin Tarantino, em 2015.
Reduzir o artista a isso seria absurdo. Morricone, não será exagerado dizer, foi músico antes de ser músico. Seguiu o caminho do pai. Estudou em Roma, tocou trompete em clubes de jazz nos anos 1940.
Mas foi no cinema, aonde chegou em 1960, que revelou a extensão de seu talento. Sua primeira assinatura numa trilha data de 1961 —“O Fascista”, de Luciano Salce.
Sua música podia ter o tom tradicional de discreto acompanhamento das imagens, às quais ajudava a encontrar o tom. Em outros casos, em especial na parceria com Leone, era diferente —a música era como que o coração do cinema operístico do mestre italiano. Não acompanhava a imagem, mas parecia fazer parte dela.
Para um músico com cerca de 500 trilhas assinadas, e com seu talento, os 82 prêmios conquistados podem parecer até pouco. Não na Europa, onde foi reconhecidíssimo. Nos Estados Unidos, é verdade que o Oscar o esnobou várias vezes.
Foi indicado por “Cinzas no Paraíso”, de Terrence Malick, “Os Intocáveis”, “A Missão”, de 1986, “Bugsy”, de 1991, “Malena”, de 2000. Dava para ter levado ao menos uma vez. Mas só ficou mesmo com o Oscar honorário de 2007, antes de emplacar com “Os Oito Odiados”. (Folha)