Agora

Periferia sofre com fim do auxílio e avanço da Covid

- LUCAS VELOSO

A cabeleirei­ra Maria das Graças Viana, 41 anos, pretende fazer uma ação diferente no próximo fim de semana em Paraisópol­is, na zona sul de São Paulo. Após perder, nas últimas semanas, 70% da renda em seu salão beleza, planeja fazer um “domingo solidário”.

A ideia é atrair mais clientes oferecendo serviços como corte de cabelos, hidratação e manicure por preços menores. O dinheiro do dia vai para o pagamento do aluguel da casa. A queda no movimento do salão coincide com o fim do auxílio emergencia­l e o agravament­o da pandemia.

Maria é mãe de quatro filhos e moradora da favela que tem cerca de 100 mil habitantes. Ano passado, teve de fechar o salão temporaria­mente por causa das medidas de isolamento social. Reabriu e a clientela estava voltando, mas o fim do benefício emergencia­l atingiu vizinhos e sua família.

“Além de ter de resolver as dívidas do salão, você vê seu filho pedindo o básico e não pode dar”, afirma.

Contas básicas

Maria recebeu cinco parcelas do auxílio emergencia­l. Com o benefício, conseguiu manter o básico de casa —pagar as contas e comprar comida. A realidade mudou desde dezembro, com o fim do benefício. “Sem ele ficou muito difícil. Estou lutando para sobreviver, mas não estou vendo progresso. Está sendo muito difícil mesmo para manter a família”, afirma. “Minha preocupaçã­o maior são os filhos que não entendem porque as coisas faltam em casa”, afirma ela.

Uma alternativ­a para a comunidade agora poderia ser o serviço Bom Prato, que oferecia refeições por R$ 1 na região. Desde outubro, porém, foi fechado para reforma. Não há prazo para conclusão da obra.

Mas não é apenas nesta região que se ouve esse tipo de história. Há relatos de falta de comida e piora na qualidade de vida em vários pontos da periferia. Nas redes sociais de moradores dessas áreas, são recorrente­s as postagens com pedidos de alimentos e busca por ajudas. De acordo com as discussões na Câmara e no Ministério da Economia, uma nova fase do auxílio emergencia­l deve ser paga entre março e junho, com um valor ainda não definido, mas que deve ser menor: entre R$ 200 e R$ 250.

Elaine Cristina Parente de Sousa, 32, outra moradora na zona sul, também perdeu nas duas pontas. Autônoma, ela recebeu o auxílio, que ajudou a complement­ar parte da renda de um pequeno restaurant­e que ela tem em Heliópolis, maior favela da capital com 200 mil moradores. Agora, está sem o benefício e perdendo clientes, também beneficiár­ios do auxílio, que pagavam refeições em dinheiro.

Elaine diz que o movimento caiu pela metade e que a situação está mais apertada do que no começo do surto. “Na pandemia, não afetou muito, pois tinha o auxílio. Hoje está parado.”

“No atual cenário, composto de incertezas e cresciment­o de desemprego, verifica-se um aumento do risco para empresas, particular­mente do risco de falência dos pequenos negócios localizado­s na periferia”, afirma Edivaldo Constantin­o das Neves Júnior, 32, professor do departamen­to de economia da FEA-USP (faculdade de economia da Universida­de de São Paulo).

Ele diz que a maior parte das medidas de ajuda estão focalizada­s nas empresas e tiveram um alcance reduzido sobre os pequenos comerciant­es da periferia.

Segundo Neves, esses negócios menores têm pouco ou nenhum relacionam­ento bancário, pois são considerad­os de alto risco, assim, dependem financeira­mente dos moradores locais. O auxílio irrigou esses empreendim­entos, pois os moradores com baixíssima taxa de poupança gastaram o recurso nos comércios locais.

A percepção dos especialis­tas é que a situação se agravou com uma associação de fatores negativos: avanço do coronavíru­s, acompanhad­o do surgimento de variante mais contagiosa, bem como o atraso na vacinação e a falta do auxílio emergencia­l.

“As famílias se veem imersas em incertezas, correndo o risco de ingressar em um ciclo perverso, e talvez mais intenso, de pobreza”, diz o professor. “É preciso reconhecer que os efeitos econômicos da pandemia se manifestam de forma desigual na sociedade, e se apresentam de maneira visível nas periferias brasileira­s”. Por outro lado, avalia Constantin­o, a deterioraç­ão das contas públicas pode compromete­r o cresciment­o econômico do país e é preciso garantir que seja possível bancar o benefício sem afetar a saúde financeira do Estado.

Quem recebe o benefício diz que o programa teve uma parada abrupta depois de cair de R$ 600 para R$ 300. Foi o que sentiu o artista visual Gleyson Klein dos Santos, 21, que costumava ser contratado por comerciant­es para fazer grafites no bairro Cidade Kemel, região no limite entre quatro cidades: São Paulo, Ferraz de Vasconcelo­s, Poá e Itaquaquec­etuba.

Ele recebeu todas as parcelas do benefício, mas, agora, vive uma dupla perda de renda: não tem o auxílio e diz ter sofrido uma queda de 70% nos pedidos dos serviços por grafite. “Se a renda não está boa para eles [os comércios], não sou chamado”, diz. Santos critica a redução, seguida de corte do benefício, quando a pandemia ainda está aí. “O cenário não mudou desde o começo do surto.” (Agência Mural)

Cheque especial Empréstimo pessoal

Até 1.903,98 1.903,99 até 2.826,65 De 2.826,66 até 3.751,05 De 3.751,06 até 4.664,68 Acima de 4.664,68

R$ 1.100 20% R$ 220,00

até R$ 1.100 7,73 3,89

de R$ 1.100,01 até R$ 2.203,48 de R$ 2.203,49 até R$ 3.305,22 de R$ 3.305,23 até R$ 6.433,57 8,00 7,89

9%

12%

14%

 ?? Raphael Muller/folhapress ?? Ester Bacelar dos Santos, 35, tem seis filhos e está desemprega­da; moradora de Salvador (BA), sofre impacto do fim do auxílio
DÓLAR
EURO
POUPANÇA
POUPANÇA
TAXA SELIC
Raphael Muller/folhapress Ester Bacelar dos Santos, 35, tem seis filhos e está desemprega­da; moradora de Salvador (BA), sofre impacto do fim do auxílio DÓLAR EURO POUPANÇA POUPANÇA TAXA SELIC
 ?? Bruno Santos/folhapress ?? Elaine Cristina Parente de Sousa, 32, de Heliópolis (zona sul), é dona do restaurant­e Sabores dos Sonhos; sem auxílio, ela perdeu renda e clientes
Bruno Santos/folhapress Elaine Cristina Parente de Sousa, 32, de Heliópolis (zona sul), é dona do restaurant­e Sabores dos Sonhos; sem auxílio, ela perdeu renda e clientes

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil