Torneio é ápice da revolução dos bilionários estrangeiros
Em entrevista ao site The Athletic publicada no final de março, o agente italiano Mino Raiola defendeu a ideia de que a Fifa deveria ser “desmantelada” e substituída por uma “plataforma”. “Eu acho que a Fifa não deveria existir”, afirmou o empresário de Erling Haaland, Paul Pogba, Zlatan Ibrahimovic e outros dos mais badalados nomes do futebol mundial.
Dezenove dias depois da veiculação de suas declarações, 12 dos clubes mais ricos do planeta dispararam contra a Uefa e anunciaram a criação de uma Superliga.
“É um assunto muito complexo. Não vejo outra solução que não seja um alinhamento [entre os times rebeldes e a Uefa]. Fala-se em sanções, como expulsão dos clubes da Superliga e de jogadores, mas são punições muito difíceis de serem implementadas. Muita coisa vai acontecer ainda. Há muitas variáveis em jogo”, afirma o advogado Marcos Motta, especialista em direito esportivo internacional e que tem Neymar entre seus clientes.
“É inviável justificar a expulsão dos clubes da Liga dos Campeões por um motivo muito concreto. A Superliga não existe. Ela existe como ideia que eles querem colocar em prática. Existe um projeto. Seria uma medida altamente ilegal”, afirma Eduardo Carlezzo, advogado especializado em direito desportivo.
Ele e Motta lembram que a ideia da Superliga existe há mais de dez anos, mas os clubes sempre tiveram medo de punições. Desta vez há uma diferença: os donos. À exceção de veteranos como Joan Laporta (novo presidente do Barcelona), Florentino Pérez (presidente do Real Madrid e da Superliga) e da família Agnelli na Juventus, a cartolagem da Superliga é composta por pessoas sem ligação antiga com o futebol.
Dos 12 participantes, apenas Barcelona e Real Madrid não são uma propriedade privada. Além deles, Juventus e Tottenham (controlado por ingleses) não têm participação estrangeira.
Arsenal, Manchester United, Liverpool e Milan estão nas mãos de famílias ou investidores americanos. O Manchester City é de uma empresa subsidiária do conglomerado controlado pela realeza dos Emirados Árabes. O Chelsea foi vendido no início do século a um magnata russo.
A Internazionale é mantida com dinheiro chinês, e o Atlético de Madrid possui um israelense como acionista minoritário.
Há o componente de cultura dos esportes americanos por trás da ideia de times permanentes, sem rebaixamentos ou acessos, como pretende a Superliga.
Stan Kroenke, dono do Arsenal, também tem equipes de futebol americano (Los Angeles Rams), basquete (Denver Nuggets) e hóquei (Colorado Avalanche). A famíia Glazer, controladora do Manchester United e originária do mercado de shopping centers, possui o Tampa Bay Buccaneers, da NFL. O Fenway Sports Group é dono do Liverpool e do Boston Red Sox, da liga de beisebol dos EUA.
O City Football Group possui outras seis equipes ao redor do mundo: New York City (EUA), Melbourne City (AUS), Yokohama Marinos (JAP), Club Atletico Torque (URU), Girona (ESP) e Sichuan Jiuniu (CHN).
Alguns deles causam polêmicas em atividades fora do futebol. A família real dos Emirados Árabes e, por consequência, o país, não são signatários da maioria dos tratados de direitos humanos. As liberdades de expressão e de imprensa são restritas. Roman Abramovich, dono do Chelsea, tem ligações com o presidente russo Vladimir Putin e é acusado de ter aproveitado para comprar companhias estatais quando a União Soviética foi desmantelada, a preços abaixo do mercado.
O Milan pertence ao fundo de investimento americano Elliott Management. Um dos seus CEOS, Paul Singer, tem histórico de se aproveitar de países em moratória com o FMI (Fundo Monetário Internacional), adquirir títulos do governo por centavos e depois processá-los para receber o valor de mercado. Ele processou a Argentina por US$ 2 bilhões e venceu nas cortes americanas e do Reino Unido. (Folha)