Conhecido por ‘Galopeira’, Donizeti se torna caminhoneiro na pandemia
Sem shows no isolamento, cantor sertanejo recorreu ao auxílio emergencial para ‘colocar comida em casa’
O cantor Donizeti Camargo, famoso pela música “Galopeira” na década de 1980, trocou temporariamente os palcos pelo trabalho como motorista de caminhão para a Prefeitura de Piracicaba (160 km de São Paulo).
A nova profissão é para driblar a crise financeira provocada pela paralisação, há mais de um ano, dos shows devido à pandemia de Covid-19. A explosão de casos da doença obrigou o cantor a cancelar os mais de 20 shows que tinha no primeiro semestre. “Meu último show foi em 26 de fevereiro, em Jundiaí, e depois parou”, diz o cantor, em entrevista à reportagem.
“Todo final de semana fazia de dois a três shows em casas noturnas, rodeios e festas de cidades. Não esqueço o 11 de março de 2020 em que a OMS [Organização Mundial de Saúde] decretou a pandemia. Meu aniversário foi no dia 12”, relembra o artista, que cobrava em média R$ 15 mil por apresentação, e teve que se reinventar para sustentar a família —o mesmo ocorreu com os músicos e técnicos da banda.
Antes de se tornar caminhoneiro, Donizeti buscou trabalho no rádio e na TV, onde já apresentou alguns programas, como Especial Sertanejo, na TV e rádio Record. Mas ele não conseguiu porque exigiam patrocínio de R$ 50 mil para o horário.
Sem saída, o cantor recorreu ao auxílio emergencial de R$ 600, concedido pelo governo federal, e recebeu três parcelas. “Foi só para realmente me dar uma ajuda para colocar comida em casa”, diz o artista.
O emprego como caminhoneiro ele conseguiu por indicação do irmão caçula, que ficou com receio de perguntar ao irmão famoso se ele aceitaria trabalhar dirigindo caminhão. Desde setembro de 2020, Donizeti faz o transporte das equipes do setor ambiental da Prefeitura de Piracicaba. “As pessoas acham que a gente que é artista não sabe fazer outra coisa a não ser cantar e tocar. Temos capacidade de fazer outras coisas. A vida mudou bastante para músicos, artistas e para quem trabalha com eventos.”
O artista afirma que não foi difícil a adaptação à nova profissão porque os quatro irmãos trabalhavam na área de transporte e o pai aposentado já foi caminhoneiro. Ele tem gostado tanto da área que pretende, quando retomar os shows, investir em uma empresa de transporte com a família.
A pandemia ensinou, segundo ele, que é necessário uma fonte de renda além da música. “Para mim não foi difícil me adaptar, hoje é o meu ganha-pão. Como eu não posso trabalhar com shows, eles pararam, eu estou caminhoneiro.”
O cantor diz que acorda diariamente às 5h20 e segue todas as medidas de segurança no trabalho para não se contaminar com o vírus, como uso de máscaras e álcool em gel. Por precaução, e por estar o tempo todo na rua, ele deixou de visitar o pai, o maior incentivador da sua carreira musical.
“Primeiro peço proteção a Deus e acho que temos que fazer a nossa parte. Uso máscara, álcool em gel, faço higienização dentro do caminhão e não fico com muita aglomeração. Evito contato com o meu pai, que vai fazer 70 anos.”
O isolamento social priva o artista de visitar às duas filhas gêmeas Amanda e Bruna, de 26 anos, e os netos. “Sou apaixonado pelas minhas filhas e netos.”
Mesmo com todas as dificuldades devido à falta de shows, Donizeti diz que não deixa de ajudar o próximo tirando dinheiro do próprio bolso. A esposa do cantor, Denice
Oliveira, 41, revela que ele reservava uma porcentagem do dinheiro dos shows, e agora do salário de motorista de caminhão, para comprar cestas básicas para doar para quem precisa. “Ele gosta de fazer o bem, mas não usa isso como marketing de artista, mas como um homem comum ajudando o próximo. Eu o vejo como um exemplo de pessoa, sinto o quanto faz bem a ele ajudar o próximo”, diz Denice.
Apesar de estar há um ano sem fazer shows, Donizeti diz que não desistiu da música e que pretende voltar aos palcos quando acabar a pandemia. Neste período de impedimento, o cantor fez duas lives, mas desistiu devido à falta de patrocínio. “Para quem não está na mídia é mais difícil conseguir patrocinador.”
Melhor voz infantil
Donizeti começou a carreira com cinco anos nas rodas de viola em família. Ele foi um dos primeiros artistas sertanejos a cantar no Fantástico (Globo). O primeiro disco foi um vinil duplo, lançado em 1978 pela gravadora CBS, quando tinha oito anos. Mas o sucesso chegou mesmo em 1982 após gravar um disco com 12 músicas, entre elas, “Galopeira”, versão de uma canção paraguaia.
A partir deste disco, ele começou a participar de vários programas de TV, como Geraldo Meirelles, Bolinha e Som Brasil. Donizeti viajou ao México para disputar com outras crianças o Festival America Esta Es Tu Canción, entre elas o hoje famoso cantor mexicano Luís Miguel.
Donizeti ganhou a disputa com a música “Canarinho Dobrador”, impressionando os jurados com a mesma técnica de sustentar a nota musical por 20 segundos. Passados mais de 40 anos de carreira, 23 discos gravados no Brasil e dois no exterior, tudo o que Donizeti espera é acabar a pandemia para pegar a estrada novamente. “Vou cantar ‘Galopeira’ até a morte.”