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‘Manhãs de Setembro’ é previsível, mas original

Série é um dos lançamento­s nacionais mais interessan­tes de 2021

- TONY GOES

ANÁLISE

De uma hora para a outra, um adulto se vê obrigado a cuidar de uma criança. A princípio renitente, aos poucos ele vai se deixando encantar. No final, os dois formam um laço inquebrant­ável.

Essa premissa manjada já rendeu ótimos filmes.

O exemplo mais recente dessa estirpe é a série brasileira “Manhãs de Setembro”, recém-chegada à plataforma Amazon Prime Video. Mas há um ingredient­e novo que eu não me lembro de ter sido usado antes: a protagonis­ta é uma mulher trans que de repente descobre que tem um filho.

Os cinco episódios da primeira temporada foram escritos por Alice Marcone (uma mulher trans), Carla Meirelles, Josefina Trotta e Marcelo Montenegro, a partir de uma ideia de Miguel de Almeida, e dirigidos por Luís Pinheiro e Dainara Toffoli.

Apesar da ação se passar em São Paulo, muitas externas foram gravadas em Montevidéu, capital do Uruguai, considerad­a mais segura contra a pandemia.

A cantora Liniker, em seu primeiro papel dramático, vive a motogirl Cassandra, que à noite costuma cantar sucessos de Vanusa em uma boate de travestis. Vanusa, aliás, é uma espécie de anjo da guarda da personagem.

Sempre que está angustiada, Cassandra ouve em sua cabeça conselhos de sua musa (proferidos, na verdade, pela atriz Elisa Lucinda).

Mas, quando a série começa, Cassandra tem razões para estar feliz. Ela finalmente conseguiu alugar um apartament­o, o trabalho vai bem e o namoro com um garçom, melhor ainda, apesar do rapaz ser casado.

Essa harmonia é quebrada com a súbita chegada de Leide, um namorico da época em que Cassandra ainda se identifica­va como homem. Leide aparece com Gersinho, que ela diz ser filho de Cassandra.

Os dois precisam de toda a ajuda possível: dormem num carro quebrado, estacionad­o debaixo de um viaduto, e falta dinheiro para tudo.

A reação de Cassandra é péssima. Não quer ser pai e não é justo ser pai justamente no instante em que sua vida como mulher parece decolar. Ela até deixa que mãe e filho durmam alguns dias em seu apartament­o, mas quer que eles desapareça­m o quanto antes.

Pouca empatia

Sabemos que Cassandra irá ceder e assumir esse garoto como seu. Mas os roteirista­s, na tentativa de adiar este desfecho, tornam a protagonis­ta pouco empática. É especialme­nte desagradáv­el a cena em que ela se recusa a comprar uma escova de dentes nova para Gersinho por achá-la cara demais.

A repetição insistente de que Cassandra é uma mulher trans que sofreu muito e superou mil obstáculos para, finalmente, começar a ter uma vida melhor, não serve como desculpa para o egoísmo da personagem. O filho é dela, a responsabi­lidade também, e não há exceção na lei para pais travestis ou transexuai­s.

Felizmente, isso não chega a compromete­r “Manhãs de Setembro”. Muito graças ao elenco: Liniker se sai bastante bem neste primeiro grande desafio como atriz, e Karine Teles, que faz Leide, está excepciona­l como de costume —uma contradiçã­o em termos, mas que serve direitinho para ela. O ator mirim Gustavo Coelho, intérprete de Gersinho, é uma revelação.

Original e previsível ao mesmo tempo, “Manhãs de Setembro” já tem uma segunda temporada confirmada. E merecida, pois se trata de um dos lançamento­s nacionais mais interessan­tes de 2021.

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Divulgação Cassandra (Liniker) é mulher trans que de repente descobre que tem um filho, em ‘Manhãs de Setembro’, do Amazon Prime Video

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