Agora

Tobogã na saudade

Ídolos e torcedores lembram com carinho de setor do Pacaembu que vem sendo demolido

- JULIANA SANTOS

No início da última semana, uma demolição controvers­a começou a mudar a paisagem nos arredores da Praça Charles Miller. O tobogã do Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho —o Pacaembu— deixará de existir, como parte da série de reformas planejadas desde a concessão do local à iniciativa privada.

No lugar, a concession­ária Allegra Pacaembu pretende erguer um prédio que se estenderá de ponta a ponta da arquibanca­da, com a finalidade de atrair restaurant­es, escritório­s compartilh­ados e espaços culturais.

Uma das consequênc­ias da mudança é a redução da capacidade do estádio de 40 mil para 26 mil, número suficiente para a Allegra, que argumenta que a média de público nos últimos anos é próxima de 19 mil pessoas.

A demolição, que já constava no projeto sugerido no edital da Prefeitura de São Paulo, resistiu à oposição da Associação Viva Pacaembu, formada por moradores do bairro, e provocou reações mistas no esporte.

Para torcedores que costumavam a frequentar o setor, cujos ingressos eram os mais baratos do estádio, a derrubada é lamentada.

Edvaldo Gonçalves, caminhonei­ro de 56 anos, é santista e recorda até hoje a vista privilegia­da de um gol de falta feito por Aílton

Lira, graças ao posicionam­ento do tobogã atrás de uma das traves. A partida de 1979 terminou em vitória por 2 a 0 para o Santos sobre a Ponte Preta.

“O tobogã para mim era tudo, porque ele nivelava as pessoas”, conta. “Era mais barato, a maioria conseguia comprar o ingresso”, lembra. Com a demolição, ele teme a descaracte­rização do estádio.

O professor Francisco Ramos de Jesus Neto, 43, também acredita que o tobogã fará falta.

“Fui assistir à final do Paulista de 2004 com um amigo. Fomos prestigiar o São Caetano, apesar de eu ser palmeirens­e e ele, sãopaulino, mas ficamos na torcida do Paulista, no tobogã, que não tinha fila, era mais barato e, na entrada, tinha as melhores barracas de pernil”, diz. “E de lá vimos os gols de Marcinho e Mineiro, sem poder comemorar esse momento único do Azulão”, recorda. “É uma pena que parte da história do futebol paulista tenha sido destruída”, lamenta.

A realizador­a Vitória Liz Campos, 23, é torcedora do Corinthian­s. Embora tenha assistido a jogos em outros setores, ela lembra que o tobogã era o “xodó das torcidas, inclusive da Fiel”. Para ela, “a demolição do tobogã, principalm­ente enquanto ainda estamos vivendo esse período de estádios vazios, é um ceifar violento de parte da identidade do futebol paulista”.

Procurada pela reportagem, a Gaviões da Fiel, maior organizada do Timão, posicionou-se contra a demolição: “Um absurdo o que estão fazendo com um patrimônio da cidade, um palco de muitas vitórias e emoções da nação corinthian­a”.

Craques lamentam

Quem viu o tobogã do gramado do Pacaembu também vai sentir saudade. O goleiro Tobias, que atuou em 125 jogos e consagrous­e na história do Corinthian­s ao vencer o Campeonato

Paulista de 1977, também via beleza na acessibili­dade do tobogã aos torcedores.

“Quando eu joguei no Corinthian­s, era nossa casa, né? Era o estádio mais bonito e o mais acessível, as pessoas podiam ir assistir ao jogo”, lembra. Sobre a demolição, ele complement­a: “Uma tristeza.”

Na última terça-feira (29), quando vídeos do processo de derrubada viralizara­m nas redes sociais, o lateral esquerdo Fábio Santos também relembrou de bons momentos no estádio.

“Por mais que ajude as pessoas, eu tive um sentimento de tristeza. É uma história que vai se apagando”, disse o jogador, que venceu três campeonato­s no Pacaembu. “Eu só tenho lembranças maravilhos­as, de gols, conquistas, eu entrando no estádio com meus filhos pequenos, só tenho memórias boas.”

Antônio José da Silva Filho, o Biro-biro, 62, fez seu primeiro gol pelo clube do Parque São Jorge neste mesmo estádio, em 1978, contra o América de Rio Preto. O volante jogaria outras 500 partidas pelo clube, do qual se tornaria ídolo. Biro-biro ressalta que as boas lembranças do local ficarão na memória do torcedor e na história do futebol paulista. “E claro, para a gente, todos os jogadores que jogaram lá tenho certeza que estão sentindo muito, assim como eu estou”, afirma.

 ?? Wilson Melo - 17.jul.88/folhapress ?? Biro-biro (à dir.) comemora com Edson e Everton (abraçados) e Wilson Mano um dos gols da vitória do Corinthian­s no clássico com o Santos, no Pacaembu, pela semifinal do Campeonato Paulista de 1988
Wilson Melo - 17.jul.88/folhapress Biro-biro (à dir.) comemora com Edson e Everton (abraçados) e Wilson Mano um dos gols da vitória do Corinthian­s no clássico com o Santos, no Pacaembu, pela semifinal do Campeonato Paulista de 1988

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil