Como o Crocs deixou de ser ‘crime’ e virou ícone fashion do mundo atual
Sapatos excêntricos que são polêmica há quase duas décadas retornam com força em meio à pandemia
Entre morrer e vestir um calçado da Crocs, a estilista Victoria Beckham prefere a primeira opção. Ou pelo menos foi o que ela disse em abril, quando recebeu um presente do cantor Justin Bieber e fez um story no Instagram para agradecê-lo. “Eu acho que preferia morrer, mas agradeço de qualquer maneira”, afirmou a spice girl enquanto mostrava uma colaboração do músico com a marca, um crocs lilás decorado com ursinhos.
A estilista está longe de ser a primeira pessoa a debochar do item. Eleitos em 2010 pela revista Time como uma das 50 piores invenções da história, os sapatos da Crocs sempre renderam memes, comentários ácidos e reprovações fashionistas.
O que ninguém esperava, no entanto, é que após quase duas décadas de criação, a marca representasse não só uma potente tendência como também se tornasse líder de vendas no setor.
A demanda está mais forte do que nunca. É o que apontam pesquisas globais, como um estudo da Lyst que classifica um dos modelos da marca como o nono item de moda mais cobiçado de 2020.
No primeiro trimestre de 2021, a empresa faturou US$ 460,1 milhões (R$ 2,3 bilhões), aumento de 63,6% em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com dados do site oficial. Ainda comparando os dois anos, a Crocs aumentou seu preço médio de revenda em 70%, diz relatório da Stockx.
O que chama atenção é que a empresa não abandonou seu estilo tradicional nem deixou de apostar em modelos bizarros. A realidade é exatamente o contrário.
Recentemente, a imagem de um crocs sustentado por um fino salto alto rendeu polêmica nas redes sociais. O item é uma colaboração da marca com a grife espanhola Balenciaga
e será lançado na temporada primavera-verão de 2022.
“‘Hoje você critica, amanhã você copia’ é um bordão que costuma funcionar”, diz a consultora de moda Juliana Lopes. “Esse mercado é cíclico justamente porque se baseia em mudanças de gosto. O ‘cool’ de hoje é o ‘cringe’ de amanhã.”
Os crocs, que já foram alvo de chacotas na internet —como no blog I Hate Crocs—, hoje têm mais de 2,1 bilhões de menções no Tiktok, a rede jovenzinha do momento.
“São muitos os fatores que fazem alguém gostar de uma coisa. Questões
culturais, familiares, educativas, geográficas”, explica Juliana Lopes. “E, é claro, o tempo é o principal fator que move a moda.”
Segundo a especialista, a pandemia tem um peso decisivo no boom da marca. O crescimento do home office neste período impulsionou o retorno do estilo “comfort wear”, surgido no final do século 20, em meio à tendência antimoda dos anos 1990, que se opunha aos exageros da década anterior —como maquiagem carregada e excesso de cores e brilho.
“Em videochamada, ninguém sabe o que tem da cintura para baixo”, diz Katherine Sresnewsky, sócia da N.evsky, especializada no mercado de moda. “Eu estou em casa e é pandemia, então preciso de roupas confortáveis e que sejam bem fáceis de fazer assepsia.”
Conforto ao calçar
Diante de tanto desconforto causado pela Covid-19, o “comfort wear” se estabeleceu como um tipo de necessidade de sobrevivência. E tecidos leves e aconchegantes dão um respiro às pessoas.
Os sapatos da Crocs são fabricados a partir de uma leve resina de célula fechada, a croslite, o que traz seu aspecto espumoso e antiderrapante. O modelo mais tradicional —e talvez o mais odiado entre os haters da empresa— é o Classic Clog, com design de barco e buracos na parte superior onde é possível colar adereços.
Outras duas tendências rondam o boom da marca, a do “ugly shoes” (sapatos feios, em inglês), que tem vendido peças bizarras, e a do “kidcore”, o estilo nostálgico que abusa de cores quentes e acessórios infantis retrô. Fundada em 2002, a Crocs fez grande sucesso cinco anos depois e quase chegou à falência na crise de 2008. Seis anos depois, recuperou fôlego com uma reestruturação interna e, desde 2016, tem apostado na ousadia. (Folha)