Como guerreira indígena moldou a seleção brasileira de rúgbi
Inspiradas na história de Yara, atletas criaram símbolo e modelaram primeira ideia de uniforme
Os Jogos Olímpicos de Tóquio estão chegando. Mas, para esta história fazer sentido, precisamos rebobinar até 2004, quando a seleção feminina de rúgbi participaria de sua primeira competição. Naquele ano, o time entrou em campo pelo Sulamericano e venceu dois dos três jogos disputados.
A construção da equipe, entretanto, esbarrava na falta de profissionalismo do esporte no Brasil. Para ter condições financeiras, as jogadoras se desdobravam em trabalhos cotidianos e contavam com a ajuda umas das outras. Em 2009, elas participaram do primeiro Mundial.
Antes, fizeram rifas, calendários, e a mãe de uma atleta até bordou o símbolo do Brasil nas roupas para que pudessem representar o país. Ainda assim, as seleções feminina e masculina não tinham nome. Só em 2012, após votação popular, a Confederação Brasileira de Rugby (CBRU) lançou o nome Tupi.
O tupi era a língua mais falada pelos indígenas que habitavam o litoral do Brasil na época da colonização. O nome da mascote recebeu 47,16% dos votos da comunidade do rúgbi. Para a seleção, simbolizou uma homenagem à cultura do país, trazendo-lhe as características de garra, perseverança e espírito de equipe.
Para as mulheres, ainda faltava representatividade. A atleta Beatriz Baby Futuro, que fez parte da seleção brasileira de 2004 a 2020, conta que as jogadoras sentiam que precisavam se desprender da figura masculina.
“Precisávamos de uma personagem que quebrasse o estereótipo. Nós, mulheres, podemos ser o que quisermos, e o rúgbi é um esporte que permite isso. Decidimos, então, ser a Yara, também da mitologia indígena do nosso país. Nós não desistimos. Nós nos ajudamos a ser melhores e levantamos as bandeiras de todas as causas. Ninguém fica sozinho”, conta a ex-atleta.
Beatriz, que hoje trabalha no marketing da CBRU, identificou que o grupo sempre procurou a própria voz e nunca se deixou abalar pelas adversidades. Por mais que fosse um processo complicado, estava unido. Um esporte forte que precisava de pessoas fortes e unidas, para ela, era a melhor solução.
“O rúgbi deve ser o esporte mais inclusivo do mundo. Aqui, não nos importamos com cor, com forma física, com nada. É uma comunidade muito próxima, que está sempre disposta a promover a melhora.”
A personagem Yara não surgiu do acaso. Ex-gerente da seleção feminina, Marjorie Enya, formada em história pela USP, passou dois meses procurando referências de uma indígena que representasse a luta que ela via e ouvia falar em relação às brasileiras do rúgbi. Sentada em cima de uma mesa com as pernas flexionadas, ela fez uma apresentação às meninas, que ouviram tudo e se encontraram.
“Eu contei a elas sobre a Yara guerreira, que era uma das melhores da tribo. Por ser melhor que os dois irmãos, eles armaram para matá-la. Ela ficou sabendo e matou os dois. Como consequência, o pai dela a jogou dentro de um rio, entregue ao destino, e ela se fortaleceu mais ainda. As jogadoras gostaram e levaram a ideia para a frente”, disse.
Na pesquisa, ela conta que queria encontrar a interpretação real da personagem, não a visão folclórica ou europeia. Para isso, buscava uma identificação com a cultura do Brasil e com o respeito histórico que se deve ao país.
Apesar de conhecerem a história, as jogadoras só vestiram o uniforme com o brasão da Yara oito anos depois, há cerca de um mês. No período, elas não pararam. De acordo com Beatriz, criaram produtos como chaveiros e roupas e pediram à CBRU para que pudessem utilizar o uniforme feito por elas para fortalecer a identidade.
“Nós mulheres somos fortes, sempre em mutação para conquistar algo melhor. Queríamos mostrar que dentro da nossa tribo temos homens e mulheres fortes, guerreiros, cada um à sua forma. Nós conquistamos muita coisa e merecemos o nosso espaço”, diz Raquel, que disputará a Olimpíada de Tóquio.
Segundo ela, que entrou no grupo em 2013, a identificação das jogadoras aumentou com o tempo e contagiou as mais novas, que sentem orgulho em ser Yaras. Nos Jogos de Tóquio, porém, todos os uniformes devem ser usados com a bandeira do país. Ou seja, a guerreira não estará na camisa do Brasil. (Folha)
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