Autor lembra pressão da Globo para reprimir bigamia da mocinha
A volta à TV de “Sonho Meu” trouxe à tona uma manifestação do autor Marcílio Moraes sobre a pressão feita pela direção da Globo na época da produção, em 1993. Por meio das redes sociais, Moraes disse que se viu constrangido a ceder a “cartas de telespectadores” chocados com uma mocinha bígama, vivida por Patrícia França.
Interessada no tema, o procurei para mais detalhes. Ao lembrar o caso, o autor nos convida a ótimas reflexões. As tais cartas —que ele ressalta que nunca teve a chance de ler, nem mesmo de saber quantas seriam— e a pressão da emissora teriam ocorrido se a personagem fosse homem?
Troquei algumas mensagens com Moraes, mas antes vamos a um trecho do relato dele: “Por sofrer violência doméstica, Cláudia tinha fugido do marido [vivido José de Abreu] e se perdido da filha. O maridão brutamontes reaparece, e ela, para proteger a filha e a si própria, sustenta a bigamia, enganando tanto o cônjuge vilão quanto o mocinho amado [Leonardo Vieira]. Quando a trama chegou nesse ponto, fui informado que a direção da emissora estava em polvorosa, que a audiência perigava cair por causa da reação do público que não admitia o fato da protagonista ‘enganar o homem que ama’ (sic)”, escreveu o autor nas redes sociais.
Pedi, então, mais detalhes sobre esse episódio a Moraes, e ele disse que conhecia bem o terreno onde estava pisando.
“Tudo dependeria de não perder a identificação do espectador com a personagem. E isto foi conseguido, tanto que a novela tinha audiência altíssima”, falou.
“A moça de origem humilde ganha as graças de um ricaço e se casa com ele, sem revelar que carrega um passado sombrio, nada menos que um marido violento, um bandido, e uma filha. Contar a verdade para o bacana seria o mesmo que a Cinderela dizer para o príncipe que era casada com um ogro e tinha uma filha. E o que diria o maridão violento, na vida real brasileira? Nem precisamos responder. Por isto a minha personagem omite o passado e, quando o pilantra aparece, tenta segurar a situação até encontrar uma saída.”
E continuou: “O público conhecia perfeitamente os motivos elevados que moviam a personagem e acompanhava suas aflições e movimentos para construir uma ética pessoal que desse conta da situação e permitisse superar o impasse. O que eu queria, e consegui, era que o público apreciasse o conflito sem preconceitos. Nem eu, como autor, nem o público, nem a personagem precisávamos da intervenção de salvadores da moral para resolver o nó dramático que estava posto”, conclui Marcílio Moraes.