Watts já não iria participar da nova turnê dos Stones
Sem abusar do sexo nem das drogas, sobrou o rock’n’roll, que ele tão bem soube conduzir. Mesmo sem demonstrar no rosto muito prazer por estar mantendo os Stones no ritmo.
Desde muito cedo, Watts mostrou seu pendor por sonoridades mais sofisticadas. Apesar de ser filho de um humilde motorista de caminhão, em casa jamais faltaram discos de jazzistas, como o trompetista Miles Davis e o saxofonista John Coltrane. Sem talento para instrumentos de sopro, o jovem Charlie se limitava a virar um banjo ao contrário e batucar no ritmo do jazz que saía da vitrola.
Nascido em 1941, ele precisou de 14 anos para convencer seus pais a presenteá-lo com o seu primeiro kit de bateria de verdade. Pôde parar de espancar o banjo, mas o método de aprendizado era o mesmo: colocar os discos dos gênios do jazz pra tocar e correr atrás deles.
Foi preciso meia década de dedicação para que outros músicos britânicos percebessem o estilo e a precisão do jovem baterista. O primeiro deles foi Alexis Korner, que naquela época, 1961, já era um blueseiro respeitado. Convidou Watts para integrar a sua banda, a Blues Incorporated. Com o grupo de Korner, o baterista passou um ano frequentando e se apresentando nos clubes de Londres. Foi num deles que, em 1962, conheceu Mick Jagger, Keith Richards e Brian Jones. Naquele mesmo ano esses rapazes fundariam os Rolling Stones. E, claro, convocaram Watts para assumir as baquetas.
O problema é que ele não era apenas bom baterista. Dono de um senso estético promissor, Watts se dava bem como designer gráfico em uma agência de publicidade. O coração balançado entre o som e o traço perdurou por um ano. No dia 12 de janeiro de 1963, Watts se apresentou com os Stones no Ealing Blues Club. A partir daquele dia, ele não teve mais dúvidas. Finalmente a banda passou a ter o seu primeiro e único baterista.
Amor ao jazz
O dinheiro começava a entrar, mas não o suficiente para afastar Watts das suas paixões originais.
Entre um show e outro, ele produziu e publicou uma HQ em homenagem ao saxofonista de jazz Charlie Parker. Ainda naquele ano de 1964, sobrou tempo para o baterista casar-se com Shirley Ann Shepard. Quatro anos depois, nasceu Seraphina, a única filha do casal.
Quando não havia shows ou gravações dos Stones, Watts colocava de pé algum projeto para cultuar a sua paixão musical da infância. Nos anos 1980, montou projetos jazzísticos e formou vários grupos, incluindo um com 32 músicos chamado The Charlie Watts Orchestra. Na década seguinte, juntou um quinteto para reler a música de Charlie Parker. É aí que ele se diverte e se sente desafiado como músico.
Dinheiro não era problema na vida dele. Os shows que os Stones fazem, as vendas dos cavalos e o que pinga nos projetos paralelos garantiram uma aposentadoria confortável ao velho baterista. Até porque ele foi um homem que, fora o guarda-roupa, exigiu pouco para ser feliz. Até novembro de 2014, por exemplo, Charlie Watts não teve celular nem conta de email. (Folha)
O baterista Charlie Watts já não iria participar da próxima turnê dos Rolling Stones. O músico morreu 19 dias depois de ter anunciado que precisaria se ausentar das apresentações por ter passado por uma cirurgia de emergência.
Os Stones haviam anunciado a retomada da turnê nos EUA, programada para novembro, após adiamentos provocados pela pandemia. Nos shows da nova turnê, Charlie Watts seria substituído por Steve Jordan —mas a ideia era que ele pudesse celebrar os 60 anos do grupo nos palcos no ano que vem.
“Estou me esforçando para ficar bem, mas aceitei, por recomendação médica, que isso vai demorar um pouco. Depois de toda a decepção com o atraso na turnê provocado pela Covid, não quero que os fãs dos Stones nos EUA que já compraram ingressos tenham outro adiamento ou cancelamento. Por isso, pedi que meu grande amigo Steve Jordan me cobrisse”, disse Watts, na ocasião. Esta não seria a primeira vez que Jordan assumiria a posição do baterista, que se ausentou em 2004 para tratar um câncer. (Folha)