Capitã afegã teme pela segurança das colegas
Khalida Popal diz que já foi chamada de prostituta por causa do futebol
Ao ver o desespero de homens e mulheres para deixar o Afeganistão, Khalida Popal, 30 anos, chorou. Quando questionada, tem dificuldade para encontrar uma palavra para definir o que sente. Raiva, tristeza, depressão, vazio.
“Dormir tem sido algo bem difícil”, diz ela, procurada de forma constante por jornalistas nos últimos dias.
Após o duplo atentado no aeroporto de Cabul na última quinta-feira (26), reivindicado pelo Estado Islâmico, ela postou vídeo em suas redes sociais gravado minutos após o ataque. Sua preocupação era que jogadoras de futebol da seleção estivessem nos arredores. Tentavam achar uma maneira de fugir do Afeganistão.
Autoridades americanas falaram em mais de 180 mortos. Khalida não sabe se há ex-companheiras de time entre as vítimas.
O anúncio da saída das tropas americanas do Afeganistão, há cerca de duas semanas, provocou pânico na população. O Talibã, movimento fundamentalista e nacionalista islâmico, avançou para as principais cidades e dominou a capital Cabul. O presidente Ashraf Ghani fugiu.
Khalida foi responsável por organizar a primeira seleção de futebol feminino do país. Era a capitã do time. Uma iniciativa que lhe deu liderança e protagonismo no esporte nacional. Mas que também lhe trouxe riscos e problemas.
Uma das lembranças é a de todas as vezes em que foi chamada de prostituta. A ofensa era usada por homens e até grupos de mulheres do país ao ver meninas praticarem esportes.
Por causa da modalidade, recebeu ameaças de morte. Teve de abandonar sua terra natal em 2011 e hoje vive na Dinamarca. Criou a ONG Girl Power, que tem como objetivo dar a mulheres ferramentas para crescer socialmente pelo esporte.
Realidade sombria
Khalida tem tentado manter contato com as amigas afegãs que jogam futebol. A sua mensagem para elas sempre foi para erguer a voz e enfrentar um sistema montado para as mulheres serem invisíveis. Agora mudou. A ex-capitã tem implorado para que se calem por medo de represálias do Talibã.
“Meu objetivo sempre foi não apenas jogar futebol mas fazer com que outras mulheres pudessem jogar ou praticar esportes e crescer com isso”, disse, antes das explosões.
Khalida começou a chutar bola no quintal de casa, ensinada pela mãe. Aos 16, formou o que viria a ser a primeira seleção nacional.
Era iniciativa arriscada. A capitã se lembra de homens e mulheres atirarem pedras ou lixo nas jogadoras que ousavam desafiar o padrão estabelecido. O campo em que treinavam foi destruído várias vezes.
“Nunca foi um ato de rebelião. Tratava-se de uma luta por igualdade. O Talibã tinha sido derrotado, mas parte da sociedade ainda vivia sobre aquela filosofia de que as mulheres são seres inferiores. Era uma luta que valia a pena lutar.”
A capitã teve papel central nas denúncias de abuso sofridas pelas jogadoras. A Fifa investigou o então presidente da federação do país, Keramuudin Karim, e o baniu do cargo em 2018.
Ela não sabe o que fazer agora. Depois de tudo o que aconteceu nos últimos dias, Khalida ainda tenta encontrar a palavra para descrever a situação, algo como: “Traumatizante”. (Folha)