Agora

Capitã afegã teme pela segurança das colegas

- ALEX SABINO

Khalida Popal diz que já foi chamada de prostituta por causa do futebol

Ao ver o desespero de homens e mulheres para deixar o Afeganistã­o, Khalida Popal, 30 anos, chorou. Quando questionad­a, tem dificuldad­e para encontrar uma palavra para definir o que sente. Raiva, tristeza, depressão, vazio.

“Dormir tem sido algo bem difícil”, diz ela, procurada de forma constante por jornalista­s nos últimos dias.

Após o duplo atentado no aeroporto de Cabul na última quinta-feira (26), reivindica­do pelo Estado Islâmico, ela postou vídeo em suas redes sociais gravado minutos após o ataque. Sua preocupaçã­o era que jogadoras de futebol da seleção estivessem nos arredores. Tentavam achar uma maneira de fugir do Afeganistã­o.

Autoridade­s americanas falaram em mais de 180 mortos. Khalida não sabe se há ex-companheir­as de time entre as vítimas.

O anúncio da saída das tropas americanas do Afeganistã­o, há cerca de duas semanas, provocou pânico na população. O Talibã, movimento fundamenta­lista e nacionalis­ta islâmico, avançou para as principais cidades e dominou a capital Cabul. O presidente Ashraf Ghani fugiu.

Khalida foi responsáve­l por organizar a primeira seleção de futebol feminino do país. Era a capitã do time. Uma iniciativa que lhe deu liderança e protagonis­mo no esporte nacional. Mas que também lhe trouxe riscos e problemas.

Uma das lembranças é a de todas as vezes em que foi chamada de prostituta. A ofensa era usada por homens e até grupos de mulheres do país ao ver meninas praticarem esportes.

Por causa da modalidade, recebeu ameaças de morte. Teve de abandonar sua terra natal em 2011 e hoje vive na Dinamarca. Criou a ONG Girl Power, que tem como objetivo dar a mulheres ferramenta­s para crescer socialment­e pelo esporte.

Realidade sombria

Khalida tem tentado manter contato com as amigas afegãs que jogam futebol. A sua mensagem para elas sempre foi para erguer a voz e enfrentar um sistema montado para as mulheres serem invisíveis. Agora mudou. A ex-capitã tem implorado para que se calem por medo de represália­s do Talibã.

“Meu objetivo sempre foi não apenas jogar futebol mas fazer com que outras mulheres pudessem jogar ou praticar esportes e crescer com isso”, disse, antes das explosões.

Khalida começou a chutar bola no quintal de casa, ensinada pela mãe. Aos 16, formou o que viria a ser a primeira seleção nacional.

Era iniciativa arriscada. A capitã se lembra de homens e mulheres atirarem pedras ou lixo nas jogadoras que ousavam desafiar o padrão estabeleci­do. O campo em que treinavam foi destruído várias vezes.

“Nunca foi um ato de rebelião. Tratava-se de uma luta por igualdade. O Talibã tinha sido derrotado, mas parte da sociedade ainda vivia sobre aquela filosofia de que as mulheres são seres inferiores. Era uma luta que valia a pena lutar.”

A capitã teve papel central nas denúncias de abuso sofridas pelas jogadoras. A Fifa investigou o então presidente da federação do país, Keramuudin Karim, e o baniu do cargo em 2018.

Ela não sabe o que fazer agora. Depois de tudo o que aconteceu nos últimos dias, Khalida ainda tenta encontrar a palavra para descrever a situação, algo como: “Traumatiza­nte”. (Folha)

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Steven Biccard Khalida Popal, 30, com uniforme da seleção afegã de futebol feminino, time de que era capitã

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