O Brasil é meu pior e melhor rival, diz Kiraly
Ouro em Tóquio, técnico da seleção americana de vôlei previu decisão
O técnico Karch Kiraly chorou quando os Estados Unidos receberam sua primeira medalha de ouro em Olimpíadas no vôlei feminino, há algumas semanas. Adicionado ao programa olímpico em Tóquio-1964, o esporte viu as americanas chegarem perto de subir a montanha, como diz o treinador, mas foram sempre derrubadas antes de atingir o topo. Não desta vez.
A final contra o Brasil teve muito significado. Poderia ser a revanche de Pequim-2008 e Londres-2012, quando elas ficaram com a prata, mas valia muito mais. Os Estados Unidos não deram chance às brasileiras e venceram por 3 a 0 com tranquilidade. À beira da quadra, Kiraly e José Roberto Guimarães já sabiam havia algum tempo que aquele era o jogo ideal para definir o ouro em Tóquio.
“Quando vencemos a Liga das Nações, em junho, José Roberto e eu nos encontramos na hora de irmos para o ônibus. Havia um silêncio enorme e ninguém por perto. Ele não queria falar comigo, tínhamos acabado de ganhar do Brasil, nem eu teria tanto assunto. Mas cheguei para ele e disse: ’Não seria maravilhoso se nos encontrássemos na final em Tóquio?’. José Roberto concordou, e que bom que fizemos essa final”, conta Kiraly.
O técnico americano sempre soube a definição de ‘subir a montanha’, frase que repetiu diversas vezes durante a entrevista.
Foi campeão olímpico em Los Angeles-1984 e Seul-1988 como jogador do vôlei de quadra, em Atlanta-1996 como jogador de praia e somente em 2021 como técnico —além de um bronze no Rio-2016 e a prata em Londres-2012, esta como assistente técnico.
Kiraly é considerado o maior atleta de vôlei de todos os tempos e se tornou o segundo atleta a conquistar a medalha de ouro como técnico e jogador. A primeira foi a chinesa Lang Ping.
“Acho que a nossa seleção teve muito sucesso nos últimos anos, sim, mas faltava um título olímpico. Sempre conseguíamos vislumbrar o que seria a medalha de ouro e a perdíamos à beira de conquistá-la. Como jogador, as coisas foram mais fáceis, então veio um sentimento mais forte agora em Tóquio do que nas outras vezes.”
Kiraly, hoje com 60 anos, viveu o grande domínio dos Estados Unidos e do Brasil tanto no vôlei de quadra quanto no vôlei de praia. Enfrentou a equipe brasileira conhecida como Geração de Prata, que contava com Bernardinho e Renan Dal Zotto, nos Jogos de 1984 (final) e de 1988 (semifinal), e venceu ambos os jogos.
“O Brasil é meu pior e melhor adversário. É um país lendário na modalidade, e acho que para o vôlei em geral é bom que os Estados Unidos e o Brasil sejam grandes potências. Os grandes jogadores se tornaram técnicos, como é o caso do Bernardo, do Renan, do José Roberto... É difícil ter essa dominância, e já vemos que no vôlei de praia masculino as tendências estão mudando”, analisa.
A frase remete ao que Alison Cerutti, ouro na areia do Rio-2016, disse quando foi eliminado em Tóquio nas quartas de final.
O ciclo olímpico para Tóquio também reservou ao técnico um momento de introspecção. Ele teve um câncer de cólon descoberto em 2017, após adiar muito os seus exames —decisão de que se arrepende. Era um tema sobre o qual falava pouco, e que revelou somente no dia em que conquistou o ouro.
“Não era algo que eu queria que chamasse atenção. A atenção é para as atletas, para a campanha delas. Mas então percebi que minha história poderia servir de inspiração para que as pessoas se cuidem e saibam que podem vencer.”
Após o título em Tóquio, o técnico americano não escondeu que já estava pensando na disputa das Olimpíadas de Paris, marcada para daqui a três anos.
“Nós temos um time muito novo. Existe, sim, a questão de nossa liga ainda estar se profissionalizando. Infelizmente, não temos nos Estados Unidos uma liga como a brasileira, que dura meses e movimenta muitas atletas. No time olímpico, podemos citar exemplos de renovação, como a Jordan Larson, e também de experiência”, afirma o técnico.
“Espero que a gente mantenha essa dominância para Paris, temos que trabalhar muito para conseguir isso”, completa. (Folha)