Padeiros da pandemia provam que nova paixão não foi modismo
Fazer pão em casa foi distração para muita gente na quarentena, e amadores se lançam em novos projetos
No começo, tudo indicava que seria um daqueles modismos passageiros, com tempo de validade. Isolada e trancada em casa, longe da família e dos amigos, muita gente saiu em busca de meios para se distrair —e a produção caseira de pães caiu como uma luva.
Fazer pão exige foco, paciência e uma senhora dose de perseverança, válvula de escape ideal para a ansiedade daqueles primeiros tempos de pandemia. A adesão foi tamanha, amplificada pelas redes sociais, que o movimento cunhou uma nova palavra: pãodemia. Mas não é que a modinha resistiu à reabertura e se mantém em alta, mesmo em tempos de trabalho híbrido e volta às aulas presenciais?
“Começou como hobby, mas virou minha terapia e uma nova carreira”, admite a consultora de negócios Karyna Muniz, 43 que por anos foi de dona de bufê a chef de restaurante. Mas a panificação era um terreno no qual nunca se arriscara. “Achava complexo demais, muito cheio de regras, processos e esperas”, explica.
Foram essas características, segundo Muniz, que a atraíram durante a pandemia. “O pão me ensinou que é preciso respeitar o tempo certo das coisas, não adianta ter pressa. Desde que ele entrou na minha rotina, me reencontrei, recobrei a criatividade e não tenho mais tempo de pensar em bobagem.”
Ela já voltou ao trabalho presencial três vezes por semana, mas pretende conciliar o escritório com as fornadas daqui para frente — às quartas, sextas e sábados, seus pães de fermentação natural, incrementados com ingredientes como matchá, infusão de rosas brancas e cranberry, são vendidos a amigos, vizinhos e conhecidos. O pacote com seis unidades individuais custa de R$ 42 a R$ 54.
Quem entra no mundo da panificação artesanal parece ser abduzido para um novo universo. O funcionário público Mario Henrique de Castro, 41, tornou-se consumidor intensivo de livros, cursos e utensílios.
Começou pelo básico, seguindo dicas de perfis especializados no Instagram, e investiu em formas, espátulas, batedeira e em uma panela de ferro para assar pão. Em pouco mais de um ano, já é capaz de reproduzir diversas receitas, incluindo brioches e pães integrais. “Presenteio os amigos e, sempre que o pão sai bonito, posto a foto”, conta.
O comércio especializado não demorou a sentir os reflexos da “pãodemia”. A loja Rua do Alecrim, em Moema, que vende 15 tipos de farinhas de trigo importadas próprias para panificação, viu a procura dobrar. Nem o preço salgado, de R$ 18 por quilo em média, assustou a clientela. “Antes da pandemia, vendíamos mais produtos para pizza. Depois, a demanda mudou”, diz Iris Jonk, sócia da loja.
A paixão pelos pães também aqueceu o mercado de cursos e livros. Autor de dois títulos entre os mais populares no tema, Luiz Américo Camargo afirma que os padeiros iniciantes de 2020 têm buscado aprofundar os conhecimentos.
“Sigo ganhando seguidores nas redes, embora em ritmo menos intenso do que no ano passado. Posso dizer que as conquistas não se perderam”, diz o expert, que acumula 60,7 mil seguidores no Instagram. Seus vídeos, exibidos pelo canal do Panelinha no Youtube, registram centenas de milhares de visualizações. (Folha)