Netflix faz novela e Globo investe no streaming
Na briga pelo público, empresa americana contrata astros da TV, e emissora brasileira repensa formatos
Sim, a Netflix vai produzir novelas no Brasil. Quando o serviço de streaming chegou ao país, em 5 de setembro de 2011, seus atrativos passavam longe —para não dizer na contramão— da telenovela e do reality show. Parecia lógico que o cartão de visitas da plataforma então fosse justamente oferecer o que não se encontrava na TV aberta, além de dar ao telespectador a chance de ele ver o que quisesse, quando e como.
Dez anos depois, o hábito de ver TV sob demanda é irreversível, mas a mania de ver novela não nos abandona nem no streaming, a ponto de a Netflix investir no melodrama em capítulos e de profissionais do ramo já estarem desenvolvendo folhetins para serviços do gênero.
“Faremos nossa própria versão de novelas”, diz Francisco Ramos, vice-presidente de conteúdo para a América Latina na Netflix. “As novelas da Netflix têm que ser diferentes e originais, tanto em estrutura quanto em temática. Estruturalmente, serão mais curtas”, avisa.
Segundo ele, a ideia é oferecer a obra completa. “É preciso considerar que lançamos os episódios de uma vez, então as novelas terão em torno de 30 a 40 episódios.”
A iniciativa brasileira do principal serviço de streaming do mundo não é apenas calcada no êxito do Globoplay, concorrente local que tem sido bem-sucedido com a presença de 131 novelas em seu catálogo. O saldo inclui as chamadas “novelas clássicas” do acervo da Globo, que têm levado noveleiros a resgatar cenas antológicas nas redes sociais, movimentando a marca, e produções mexicanas como “Marimar”, que antes só eram conhecidas aqui pela tela do SBT.
O modelo previsto pela Netflix será uma experiência nova para a plataforma. “Tematicamente, queremos experimentar diferentes gêneros. Ainda estamos nos estágios iniciais de desenvolvimento para encontrar as histórias que nossos assinantes vão adorar, para dar sinal verde e produzir”, explica Ramos.
O formato pensado pela Netflix se aproxima do que a Globo produziu até três anos atrás para a faixa das 23h —mininovelas como os remakes de “O Astro”, de 2011, “Gabriela”, de 2012, e “O Rebu”, de 2014.
Após “Onde Nascem os Fortes”, de 2018, nenhuma nova produção do gênero foi realizada, mas no ano passado veio a ideia de retomar “Verdades Secretas”, feita para esta mesma faixa horária em 2015, com uma segunda temporada. A diferença é que agora a novela volta como uma parceria com o Globoplay, que lança o título em outubro, com 50 capítulos.
“A gente acha que existe um produto híbrido entre novela e série”, diz Erick Brêtas, diretor de produtos e serviços digitais da Globo. “Não vamos ter uma novela de 180 capítulos feita para o streaming. A gente pode ter séries com 20, 30, 60 episódios, essa dramaturgia mais longa de série é uma das apostas.”
No caminho contrário feito por todas as novelas até hoje disponibilizadas pelo Globoplay, “Verdades Secretas 2” chegará antes ao streaming e só algum tempo depois à TV Globo, como acontece com a maioria das séries do grupo. Embora estejam sob o mesmo chapéu da família Marinho, Globoplay e Globo têm receitas distintas, e as produções que nascem como parcerias preveem divisão de custos.
“O que existe é uma liberdade de os nossos criadores proporem projetos. A TV Globo e o Globoplay avaliam conjuntamente e há sempre uma discussão —o que é adequado para o público da TV aberta e o que é para o streaming?”, conta Brêtas.
“Às vezes é necessário fazer cortes de coisas que têm um pouco mais de sexo, mais violência. Quando vai para a TV aberta aquilo tem de ser amenizado. No streaming há mais liberdade.”
Embora estejam em terrenos distintos —inclusive pela diferença entre ser serviço pago ou gratuito—, as plataformas de streaming disputam o mesmo telespectador cobiçado pela TV aberta. O tempo de que as pessoas dispõem para consumir conteúdo, afinal, é o mesmo. (Folha)