Novela vai bem com personagens que não existem
Ximenes), responsável pela educação das filhas dele. A paixão de Pedro por ela é tão avassaladora que o personagem pouco tem sido visto em outras atividades. “Parece que ele não tem nada para fazer além de catar a Barral”, diz.
O historiador afirma que a própria relação entre os dois não chega a ser consenso entre os historiadores. Na vida real, o imperador teve diversas amantes. Rezzutti conta que Pedro costumava trocar com elas declarações de cunho sensual, falando de como era difícil controlar seus impulsos e dando a entender que eles haviam tido relações sexuais. Isso não ocorria com Barral.
“O que comprovadamente existe é uma afinidade intelectual. Dentre essas mulheres, foi o maior relacionamento dele, mas não sabemos se foi sexual ou platônico.”
Outra coisa que ele observa é como a relação de Pedro com as filhas é mostrada a exaltar a preocupação dele com a educação delas. “Ele participava de uma aula ou outra, mas não era algo frequente.”
Ele elogia a caracterização da imperatriz Teresa Cristina (Letícia Sabatella).
“Esse resgate que fazem dela é muito importante, porque muitas vezes ela é mostrada apenas como uma pessoa silenciosa e discreta, mas ela muitas vezes se impunha, há registros disso.”
Outro questionamento do historiador é como o imperador, criado para ser alguém bem mais discreto que seu pai, dom Pedro 1º, sai confessando sua paixão pela amante para várias pessoas. “Parece que não sabe guardar segredo”, brinca.
“Sinto falta na trama de um personagem histórico com quem ele realmente se confessaria: o Negro Rafael”, diz. Ele explica que tratavase do antigo guarda-costas de Pedro 1º, que ficou no Brasil para cuidar de Pedro 2º e foi figura constante ao lado dele por toda a vida.
Isso parece se dar por causa da opção dos autores por mostrar uma corte sem pessoas escravizadas. “Ele herdou escravos que pertenciam ao estado brasileiro.”
A mudança só se dá a partir da Lei do Ventre Livre, que dizia que os filhos de escravos seriam livres a partir de então. Ela foi promulgada em 1871, um ano após o fim da Guerra do Paraguai (1864-1870). “Nessa lei, dom Pedro conseguiu libertar todos os escravos da coroa.”
Ele diz que Pedro era abolicionista, mas que a questão tem sido exagerada na novela, “Ele tentava promover a abolição dentro do que era possível, mas nada que não melindrasse os donos de terras.”
A maior parte dos negros mostrados na novela são os que vivem na Pequena África, região no centro do Rio de Janeiro que concentrava negros libertos e fugitivos. “É um palácio de brancos e a África está no centro do Rio de Janeiro”, compara. “Parece que tem um apartheid.”
O líder da Pequena África é dom Olu, vivido por Rogério Brito, personagem que não existiu. “Ele parece ser inspirado no dom Obá 2º, mas nessa época da novela ele tinha a idade da princesa Isabel, não tinha como ser amigo do dom Pedro.”
Rezzutti fala da polêmica cena em que Jorge/samuel (Michel Gomes) sugeriu que a mocinha Pilar (Gabriela Medvedovski) sofreu preconceito por ser branca ao ser proibida de morar no local. O historiador disse que a cena foi “absurda”.
Apesar dos questionamentos, Paulo Rezzutti afirma que há muitos pontos positivos na trama. Para ele, a novela mostra seu melhor lado quando não foca nos personagens que realmente existiram e que têm biografias amplamente estudadas. “Nos núcleos ficcionais, tem coisas que são verdadeiras aulas de história”, afirma.
Ele chama a atenção para as cenas que mostraram Tonico (Alexandre Nero) fraudando as eleições. O personagem obrigou seus escravos a votarem nele, fazendo-os passar por homens livres ao dar sapatos para eles usarem. “Era exatamente assim que acontecia”, diz. “O sapato era um símbolo de liberdade, muitos negros não tinham o costume de usar e andavam com os sapatos no ombro.”
Sobre Tonico, ele ainda comenta que uma cena em que Dom Pedro aparece apanhando quando criança do personagem realmente existiu, mas não teve nada a ver com o coronel baiano fictício criado pelos autores. “Ele teria apanhado do filho do marquês da Palma, então tem um pé na ficção e outro na realidade”, diz o especialista.
O pesquisador também destaca detalhes como o sotaque paulista ser abominado na corte do Rio, as invasões a terras que pertenciam ao governo e a recriação do Jardim das Princesas, espaço que Teresa Cristina fez para as filhas e que realmente existiu. “Ele ainda está lá, do ladinho do Museu Nacional”, lembra.
Outro exemplo é uma cena em que Pedro fala sobre o pai da condessa de Barral, Domingos Borges de Barros, que foi aliado de Pedro 1º. “Foi uma cena inteira dele dando uma aula de história, só que entrou um erro bobo, chamando a esposa dele de Maria Amélia, que era a irmã do próprio Pedro, em vez de Amélia.”
Para Rezzutti, “Nos Tempos do Imperador” pode ser uma boa forma de entrar em contato com o personagem, apesar das ressalvas. “Não serve como uma aula de história”, diz. “Mas é uma obra de ficção. E, dentro dessa ficção, eles podem tudo, como estão fazendo.” (VM)