Recuo da boca para fora
Depois dos atos golpistas no 7 de Setembro, em que ameaçou o Supremo Tribunal Federal, ofendeu o ministro Alexandre de Moraes, pregou desobediência à Justiça e anunciou que só deixará morto a Presidência, Jair Bolsonaro disse em nota que não teve “nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes”.
Os excessos, tentou explicar, deveramse ao “calor do momento”. Em tom cínico, a meia-volta teve o intuito de manter as já avariadas pontes entre a Presidência, os Poderes constituídos e a economia.
Se Bolsonaro já se encontrava em avançado estágio de isolamento político, após o festival de afrontas o quadro se agravou. Com mais ou menos veemência, sucederam-se pronunciamentos contrários à sua atuação, tanto entre autoridades como no setor empresarial.
Com o intuito de pôr panos quentes na baderna que criou, Bolsonaro convocou o ex-presidente Michel Temer (MDB), que o auxiliou na redação da nota e agenciou uma conversa telefônica com Moraes, seu principal desafeto no STF.
Os recuos de Bolsonaro não são exatamente uma novidade. Ao longo do mandato, parte deles deveu-se à incompetência e descoordenação do governo. Outra, porém, veio em resposta a reações de apoiadores organizados na internet.
A atual mudança de tom contradiz esse padrão. O presidente, que já se rendeu ao centrão por sobrevivência política, vê-se agora constrangido a decepcionar a sua turma de fanáticos.
Tudo somado, a encenação do recuo parece indicar um presidente cada vez menor. Incapaz de enfrentar os reais problemas do país, Bolsonaro não para de promover tumultos, movido pelo temor de que ele próprio e familiares tenham de prestar contas à Justiça em breve.