Rodrigo Santoro abandona todo o glamour no filme ‘7 Prisioneiros’
Irreconhecível na tela, ator diz que sentiu culpa e ansiedade ao viver um feitor moderno no longa da Netflix
VENEZA O ator Rodrigo Santoro está irreconhecível no filme “7 Prisioneiros”, um dos filmes brasileiros que representa o país no festival de Veneza, na Itália. O longa, dirigido por Alexandre Moratto e que conta com Fernando Meirelles como um de seus produtores, deve estrear na Netflix ainda este ano.
O filme narra uma situação nacional dura, mas que o cinema ainda não tinha tratado com atenção. Mostra rapazes de origem muito humilde que são levados para São Paulo com a promessa de trabalho com carteira assinada e ganhos razoáveis.
Mas o que os aguarda é bem diferente. Eles se tornam prisioneiros em um ferro-velho, onde trabalham em condições análogas à escravidão —sem descanso, direitos e muito menos dignidade.
O administrador do lugar é Luca, interpretado por Rodrigo Santoro, que não hesita em agir com extrema violência caso os rapazes tentem reagir. Só um deles consegue se adaptar à nova vida, Mateus, vivido por Christian Malheiros, que logo se torna o braço direito de Luca. Ele conseguirá no crime um tipo de base material e de respeito que a vida fora dali talvez jamais proporcionasse.
USantoro se despe de qualquer glamour para interpretar o personagem, um sujeito fisicamente desleixado e moralmente asqueroso. Justamente por não ser uma opção óbvia para o papel, Moratto conta que achou interessante dar o desafio a ele. “Nunca olho um personagem como um vilão ou um mocinho. O que eu faço é trabalhar para que ele tenha humanidade, para que o espectador consiga entender”, diz Santoro, em entrevista a este repórter, em Veneza. “Você pode odiar o personagem, e eu não culpo quem odeia —eu mesmo odiei. E foi muito dolorido para mim [fazer o personagem]”, afirma o ator.
A entrega ao papel foi intensa. “Cresci numa família de classe média, em Petrópolis, o que é ser privilegiado no nosso país. E estava fazendo um personagem bem diferente. Tem até uma frase em que ele diz que veio de um barraco, na beira do esgoto. E como eu poderia dizer essa frase?”, diz Santoro, que visitou comunidades e ouviu testemunhos de pessoas que trabalharam em condições sub-humanas em sua pesquisa para viver Luca.
“Eu senti culpa, ansiedade, angústia, porque realmente me aproximei do personagem. A gente sabe o que acontece no nosso país, mas é muito diferente você se propor a se pôr nesse lugar, e eu durante três meses fiz isso.”
Gravações em SP
Rodado em São Paulo pouco antes do início da pandemia, o filme foi recebido com aplausos, mas também com dúvidas por parte do público europeu, sobretudo se existem de fato situações degradantes como as que o filme mostra.
“A ideia é que o filme primeiro eduque sobre esse tema e que levante essa discussão. O ferro-velho é um microcosmo, mas ele representa todo um sistema. Devemos levantar essa discussão, e ela pode ser mais abrangente que o específico do trabalho análogo à escravidão”, diz.
Santoro diz acreditar que Luca também é produto desse sistema ultracapitalista, que não consegue oferecer ao personagem “a possibilidade de caminhar sozinho, de ter uma vida decente, o mínimo para viver”, afirma. “Ele escolhe esse caminho. E dá, também, uma opção para o Mateus”, diz o ator sobre o longa, que deve estrear na Netflix ainda neste ano. (Folha)