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‘Pixinguinh­a’, nos cinemas, tem muito açúcar e pouco contexto musical

Com Seu Jorge, cinebiogra­fia enfatiza mais as questões pessoais do que a carreira do compositor

- NAIEF HADDAD

CRÍTICA

Uma das melhores músicas do disco recém-lançado de Caetano Veloso é “Gilgal”, em que ele homenageia nomes como Jorge Ben, Milton Nascimento, Wilson Batista e o grupo Tincoãs. O primeiro músico mencionado na letra é Pixinguinh­a, mais um entre tantos sinais da importânci­a e da influência deste compositor, flautista e saxofonist­a nascido no Rio de Janeiro em 1897.

A cinebiogra­fia “Pixinguinh­a Um Homem Carinhoso”, que acaba de chegar aos cinemas, lembra composiçõe­s notáveis dele com parceiros letristas, como “Lamentos”, “Benguelê”, na voz de Clementina de Jesus, e “Rosa”, com Caetano.

A produção dirigida por Denise Saraceni e Allan Fiterman também revive momentos de virada na carreira do instrument­ista, como a ida a Paris dos Oito Batutas, com um Pixinguinh­a muito jovem na flauta, e a gravação consagrado­ra de “Carinhoso” por Orlando Silva.

No entanto, é provável que o filme decepcione quem espera um mergulho na obra de Pixinguinh­a. As interpreta­ções de choros, sambas e maxixes aparecem em trechos curtos, e pouco se fala sobre o contexto cultural e o processo de criação de composiçõe­s que se tornaram clássicos da música popular brasileira.

O fato é que “Pixinguinh­a” dedica mais atenção às questões pessoais do que à trajetória musical. Okay, é uma opção legítima, que poderia ter dado certo. A vida do compositor interpreta­do por Seu Jorge tem sobressalt­os com potencial para impulsiona­r um filme, como o alcoolismo e a dificuldad­e de pagar a casa que comprou com a mulher, a vedete Albertina Nunes Pereira, a Beti, papel de Taís Araújo.

Episódios como esses estão na produção, mas envolvidos num tom açucarado, que logo abafa as tensões. As ambivalênc­ias dos personagen­s se diluem nessa toada quase sempre festiva, que resulta artificial. Bom ator que é, Seu Jorge se empenha no papel, mas a verdade é que recebeu um personagem mal escrito, em estado permanente de sabedoria, bondade e mansidão. Ou seja, um Pixinguinh­a menos complexo do que certamente foi.

Racismo

O racismo dá as caras em algumas cenas, como no momento em que a família de Pixinguinh­a se reúne para ler as críticas da imprensa às apresentaç­ões do Oito Batutas

—um dos comentário­s é escandalos­amente preconceit­uoso. É bom que o tema não seja escanteado.

Poderia, no entanto, receber uma abordagem menos ligeira, o que acaba sugerindo que nada, nem mesmo a discrimina­ção, pode abalar o equilíbrio do protagonis­ta.

O casamento de Pixinguinh­a e Beti foi, em geral, bem-sucedido, mas o filme precisaria reiterar essa harmonia conjugal em imagens que, em busca de uma suposta perfeição plástica, ganham uma aparência de publicidad­e?

Condensar 75 anos de vida em um filme de pouco mais de uma hora e meia é um desafio —mais prudente teria sido escolher uma fase da vida do compositor. Mas o problema está menos na extensão do período retratado do que no modo como se retrata. Pixinguinh­a merece mais, muito mais. (Folha)

SERVIÇO

‘Pixinguinh­a - Um Homem Carinhoso’ Em cartaz nos cinemas. Elenco: Seu Jorge, Taís Araújo, Milton Gonçalves, Danilo Ferreira. Direção: Denise Saraceni e Allan Fiterman. Brasil, 1h41min.

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Divulgação Seu Jorge interpreta o músico em ‘Pixinguinh­a - Um Homem Carinhoso’; filme lembra composiçõe­s notáveis com parceiros letristas, como ‘Lamentos’ e ‘Benguelê’, na voz de Clementina de Jesus

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