HQ ‘Confinada’ escancara a desigualdade na pandemia
Quadrinhos de Leandro Assis e Triscila Oliveira, lançados no Instagram e agora em livro, mostram conflitos de classe e de cor no Brasil em meio à crise da Covid-19
As palavras-chave na ficha técnica da história em quadrinhos “Confinada” são excepcionalmente precisas. Entre elas, “pandemia”, “racismo” e “privilégio branco”, que são seus fios condutores. Um dos lançamentos mais relevantes deste ano no mercado das HQS nacionais, “Confinada” é quase uma retrospectiva da dor de viver no Brasil em 2020 e 2021—em especial, para as populações marginalizadas. O livro saiu no início de novembro pela editora Todavia (R$ 74,90, 128 págs.; R$ 49,90, ebook).
O gibi conta a história de duas mulheres confinadas uma com a outra na pandemia. A primeira é a influencer Fran, da elite carioca. A segunda é a doméstica Ju, confinada no quartinho de empregada do apartamento de Fran, a patroa. A relação delas é marcada por conflitos de classe e de cor. Fica evidente, também, o quanto a pandemia afeta os brasileiros de maneiras diferentes. Nem todos podem ficar em casa, nem todos têm acesso aos mesmos cuidados médicos.
Leandro Assis, que desenha a HQ e assina o roteiro com Triscila Oliveira —ambos chargistas da Folha—, já vinha lidando com a desigualdade social em “Os Santos”. A série, publicada na rede social Instagram, conta a história de uma família de elite carioca. “Eu queria desabafar, falar mal mesmo”, diz. “Queria retratar um grupo de pessoas muito próximas a mim, dessas que reclamavam que o aeroporto estava cheio de pobre.”
A série teve bastante sucesso nas redes, e Assis começou a receber mensagens de leitores que se identificavam com os personagens, em especial, com as empregadas. Uma delas foi Triscila Oliveira, ativista antirracista que já trabalhou como doméstica. Os dois começaram a conversar e decidiram trabalhar juntos na HQ “Os Santos”. Dessa parceria saiu também “Confinada”, projeto que tem esse mesmo objetivo de fazer uma crítica social, só que no contexto específico da pandemia. O livro que sai pela Todavia é uma compilação da série, incluindo quatro histórias inéditas.
Assis desenha “Confinada” com toques de álbum de retrato antigo, de pintura de aquarela acabada com nanquim. O gibi também é marcado pelas cores fortes, exageradas, por vezes simulando filtros de Instagram. “É um formato lúdico, mas estamos falando de um assunto sério”, Oliveira diz. “Não vou dizer ‘ai, meu Deus, vai mudar a vida das pessoas. Mas é uma ferramenta que pode gerar conscientização. Os leitores estão vendo que muita coisa está errada.” (Folha)