A cara do Enem
Enquanto se mantém alheio a problemas de que deveria ocupar-se, como as crises econômica e social, Jair Bolsonaro se desdobra para interferir em questões das quais deveria manterse afastado, como vimos agora no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Elaborar uma prova desse porte é uma tarefa essencialmente técnica, da qual amadores deveriam ficar longe.
Mas, como esperado, isso não parece ter intimidado o presidente ou seus bajuladores, que dão mostras frequentes do propósito de interferir no conteúdo do Enem —a ponto de o próprio Bolsonaro gabar-se, na segunda (15), de ter criado uma prova “com a cara do governo”.
Na quarta (17), ele negou que tenha conhecimento prévio das questões, o que obviamente não basta para afastar suspeitas de pressão sobre os responsáveis pela elaboração. Pior, achincalhou o exame. “Aquilo mede algum conhecimento? Ou é ativismo político e na questão comportamental?”, questionou.
Seria possível discutir, com método, se há viés ideológico, de esquerda ou direita, no ensino médio e no Enem. Bolsonaro, porém, prefere usar o assunto como mais um cavalo de batalha para satisfazer seus seguidores mais fanáticos.
O prejuízo é terrivelmente concreto. O exame corre grande risco de perder qualidade, e a pressão exercida sobre os técnicos do Inep, o órgão encarregado de elaborar as provas, contribuiu para o preocupante esvaziamento do instituto.
Se mais pessoas tiveram, sem necessidade, acesso prévio às questões do Enem, romperam-se padrões de segurança fundamentais para a lisura do processo. Congresso e órgãos de controle farão bem em apurar o caso e cobrar esclarecimentos do Ministério da Educação.