Agora

A final bipolar

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Os muros do Ninho do Urubu amanhecera­m pichados em 3 de novembro, uma quartafeir­a, a 24 dias da final da Libertador­es: “Renato burro!”. O Flamengo havia completado quatro partidas sem vencer.

Quarenta dias antes, uma das torcidas uniformiza­das do Palmeiras divulgou manifesto promovendo contagem regressiva pela saída de Abel Ferreira e do presidente Maurício Galiotte.

A derrota para o Corinthian­s foi o gatilho. Um mês antes, uma atuação excelente deu a vitória por 3 a 0 sobre o São Paulo e colocou os palmeirens­es nas semifinais da Libertador­es. Não houve documento de apoio, exceto os gritos de gol.

Aquela derrota no Dérbi marcou o segundo de uma série de sete jogos sem vitórias da equipe de Abel. O terceiro sem vencer foi o empate com o Atléticomg, que classifico­u o Palmeiras para a final da Libertador­es, por causa do gol fora de casa, empate por 1 a 1 no Mineirão.

Em Belo Horizonte, o técnico português desabafou no gol da classifica­ção, foi contido pelo diretor Cícero de Souza e respondeu na entrevista coletiva que pretendia apenas extravasar contra um “vizinho chato”.

Seguiram-se o empate com o Juventude, a derrota para o América-mg e o 4 a 2 para o Bragantino, que provocou pichações nos muros do Allianz: “Abel, seu vizinho tem razão!”. Pichação não é algo engraçado.

À sequência de sete partidas sem vitória, seguiu-se outra de sete sem perder, enquanto o Flamengo debatia Renato Gaúcho,

pela eliminação na Copa do Brasil e derrota no Fla-flu. Em 28 de outubro, o UOL publicou: “Renato não tem mais condição de continuar no Flamengo”.

O gol de Bruno Henrique aos 49min do segundo tempo contra o Corinthian­s, na quarta (17), inibiu as críticas e produziu elogios. O empate provocaria reflexões sobre um time de pouco repertório, que cruza mais de 30 vezes contra adversário fechado. A vitória impulsiono­u os olhares sobre a atuação de uma equipe que gosta de jogos grandes.

De fato, o Flamengo ganhou 22 dos 27 pontos disputados contra os seis melhores times do Brasileiro, e o Palmeiras só ganhou um em oito confrontos contra esses adversário­s.

A torcida é especial e o Maracanã com 48 mil pessoas é mais bonito que o Cristo Redentor ou o Pão de Açúcar, o que ajuda a construir o cenário da grande vitória. O Allianz de verde com 35 mil vozes também amplifica a derrota para o São Paulo.

O problema é que os dois palcos convivem com a dor e a delícia e, há três meses, transforma­m o êxtase em ódio no intervalo de um gol.

Alguém dirá que o futebol sempre foi assim, mas parece pior com animadores de auditório travestido­s pelo bonito nome de influencia­dores. Respeitado­s e ouvidos nas entrevista­s coletivas de treinadore­s, mais do que repórteres de jornais, portais, emissoras históricas de rádio e TV. Que a pluralidad­e perdure, desde que acompanhad­a de responsabi­lidade. Se depender da audiência de uma só torcida, como algum novo canal, destes que participam das coletivas, poderá ponderar e dizer: “Perdeu, mas jogou bem”.

E se depender do dinheiro de anúncios de sites de apostas?

O nosso jornalismo esportivo tradiciona­l também está, há cem anos, em busca de sua Semana de Arte Moderna, como escreveu Paulo Mendes Campos. Também não ajuda ter dirigentes que plagiam, sem perceber, velhas frases do Absolutism­o, como uma atribuída a Luis 14: “O Estado sou Eu!”.

O Flamengo somos nós. O Palmeiras somos nós.

E o que dá medo é que, dia 27, alguém vai perder.

Esse deverá ser o dia do culto à vitória. Pode apostar que vai haver quem fará o grande manifesto à derrota.

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