Mente livre
O psiquiatra e pesquisador Augusto Cury dá ferramentas para ajudar jovens a desenvolver a autonomia e a capacidade de trabalhar perdas e frustrações
AS MUDANÇAS
na psique humana não aceitam atos heroicos. Se você disser que de hoje em diante será livre, tolerante, generoso, seguro, tranquilo, bem-humorado, provavelmente sua intenção heroica se dissipará como água no calor dos problemas que enfrentará. Até um psicopata tem, em alguns momentos, intenção de mudar a própria história, mas falha. A verdadeira liberdade é um treinamento que se conquista dia a dia, gerando plataformas de janelas light formadas por experiências saudáveis, que alicerçam o Eu como gestor da mente e autor da própria história.
Cada ser humano possui uma rica história que contém lágrimas, alegrias, falhas, coragem, timidez, ousadia, insegurança, sonhos, sucessos, frustrações, solidão e dependência doentia. Você é um ser humano complexo.
A última fronteira da ciência é desvendar como pensamos, qual a natureza e os tipos de pensamento, como o Eu desenvolve a consciência e pode ser o gestor da mente. Temos o privilégio de pertencer a uma espécie pensante entre milhões na natureza, mas, infelizmente, nunca honramos de forma adequada a arte de pensar. As discriminações que sempre mancharam nossa história são testemunhos evidentes de que não damos valor a essa fascinante arte.
Infelizmente, pela falta de compreensão do espetáculo da vida e dos segredos que nos tecem como seres que pensam, sempre nos dividimos. A paranoia de querer estar um acima do outro e as guerras ideológicas, comerciais e físicas são reflexos de uma espécie doente e dividida.
Não percebemos que, no teatro da mente, somos todos iguais. Não somos judeus, árabes, americanos, brasileiros, chineses. Somos seres humanos, pertencentes a uma única e fascinante espécie. Temos diferenças culturais, mas os fenômenos que constroem cadeias de pensamentos e transformam a energia emocional são exatamente os mesmos em todos nós. Por isso, toda discriminação é desinteligente e desumana.
Talvez você nunca tenha ouvido falar sobre isso, mas se apaixonar pela vida e pela espécie humana é uma condição fundamental para se ter alta qualidade de vida e sabedoria. Por favor, lembre-se sempre de que a vida que pulsa dentro de nós, independentemente de nossos erros, acertos, status e cultura, é uma joia única no teatro da existência. E nunca se esqueça de que cada ser humano é um mundo a ser explorado, uma história a ser compreendida, um solo a ser cultivado. É uma atitude irracional valorizarmos artistas de Hollywood, políticos e intelectuais, e não valorizarmos na mesma intensidade nossa indecifrável capacidade de pensar. Afinal de contas, todos somos grandes artistas no anfiteatro da nossa mente.
Que espécie é essa em que alguns são supervalorizados e a maioria é relegada ao rol dos anônimos? Isso é uma mutilação da inteligência. Muitos podem não ter fama e status social, mas, para a ciência, somos todos igualmente complexos e dignos.
A rainha da Inglaterra nunca teve mais valor nem mais complexidade intelectual que um miserável das ruas de Londres. Einstein e Freud não tiveram mais segredos psíquicos que um faminto de um país pobre, um dependente de drogas ou um criminoso. Essa é uma verdade científica.
Quando você lê sua memória em milésimos de segundo e escolhe as informações para construir uma única ideia, você está sendo um grande artista. Você crê nisso?
“Temos o privilégio de pertencer a uma espécie pensante, mas, infelizmente, não honramos a arte de pensar. As discriminações que sempre mancharam nossa história são
testemunhos”