Ana Maria

FORA Preconceit­o do armário

- Por Fabricio Pellegrino | Fotos: Nanah Garcia | Make: Simone de Andrade (Factory Hair Tijuca) | Cabelo: Cristina Valença (Factory Hair Tijuca)

Em A Dona do Pedaço, Rosane Gofman vive Ellen, a elegante e fiel escudeira de Maria da Paz (Juliana Paes). No teatro, ela está em cartaz com Eu Sempre Soube…, monólogo sobre a relação de mães com filhos gays, lésbicas e transgêner­os. Em casa, a atriz morre de amores pelos três herdeiros e os seis netos.

Mas, seja aonde for, está sempre pronta para hastear a bandeira da empatia, da tolerância e do amor

O que a Ellen de A Dona do Pedaço ensina ao público?

Em primeiro lugar, que é possível ter uma profissão não considerad­a das mais chiques e, mesmo assim, ser uma mulher elegante. Você também pode ser parceira e leal com quem você trabalha, independen­temente do lugar em que esteja. Nem sempre o patrão é alguém que não merece o seu carinho.

Como Ellen surpreende você?

Pela elegância mesmo. O corte de cabelo, a dedicação acima de qualquer coisa pela patroa, Maria da Paz, e até mesmo pela filha dela, a Jô , vivida por Agatha Moreira. Afinal, a Ellen a viu desde pequena e, mesmo sabendo tudo o que ela apronta, ainda assim, tem carinho por aquela menina. Só acho que a Ellen deveria ser mais esperta.

Independen­temente de quem sejam nosso filhos, nós, mães, nos sensibiliz­amos com todas as dores de todas as mães

Você está encenando o monólogo Eu Sempre Soube…, baseado no livro de Marcio Azevedo. A obra foi escrita a partir do depoimento de 92 mães de gays, lésbicas e transgêner­os. O que a motivou interpreta­r a jornalista que lança um livro sobre amor de mãe?

O texto chegou a mim pelo Whatsapp. O Marcio me mandou e, quando li, já disse “é meu, tenho que fazer, é minha missão”. Porque, independen­temente de quem sejam nossos filhos, nós, mães, nos sensibiliz­amos com todas as dores de todas as mães. Então, falar em nome delas, na sua maioria e nesse caso especifica­mente, em nome das mães pelas diversidad­es no geral, é fundamenta­l.

Quem tem sido mais impactado pelo espetáculo: mães ou filhos?

Pelo que chega a mim, os filhos. Todos eles se reconhecem, me abraçam fortemente, agradecem pelo espetáculo. Algumas mães também. E, inclusive, pessoas que não fazem parte do universo

LGBT. Os abraços deles são importante­s para mim, porque essas pessoas dizem que tiraram o preconceit­o do armário. Não são a maioria, mas são fundamenta­is.

Qual foi o depoimento que mais a tocou?

Exatamente o da última mãe que postou nas redes sociais. Ela falou que não se achava preconceit­uosa, mas não se viu durante o espetáculo. Ela considerou a peça importante para tirar o preconceit­o dela do armário. Queremos que as pessoas tirem os preconceit­os do armário, joguem no lixo e respeitem muito.

O espetáculo é dedicado a um sobrinho seu que é gay. Como foi a aceitação dele por toda a sua família?

A família, assim como a peça, sempre soube desde quando ele era pequeninin­ho e a aceitação foi tranquila, principalm­ente pelos pais, que foram geniais desde o primeiro momento. Quando ele era bem pequeno, ainda se forçava a barra com conselhos como “leve o menino para jogar bola”. Mas depois aceitaram superbem com muito amor e carinho. Ele é lindo, é meu sobrinho!

A temática da peça dificultou a buscar por patrocínio?

Posso falar das situações em que estive presente. O Marcio também recebeu ‘nãos’ esquisitos e, sem dúvida, o tema da peça atrapalhou muito. Alguns lugares pediam para ler o texto, queriam saber o que tinha lá embora tivessem gostado do tema. Em um primeiro momento, chegavam a pensar que falaríamos mal de pessoas ou de governos. Porém, agora, com o tempo e bastante gente assistindo, fica bem claro que a nossa intenção são as famílias, o amor, que se respeite, receba, acolha. E, mesmo assim, a homofobia ainda atrapalha muito os pedidos de patrocínio­s.

Você tem três filhos homens. De que maneira os educou para terem empatia com a comunidade LGBT?

Não precisei educá-los para ter empatia. Eles conviveram com meus amigos LGBTS a vida toda. Então, a questão nunca precisou ser falada, discutida, não foi preciso ensinar. Tive uma amiga gay que morou em casa e até hoje eles são parceiros. Não tem por que ensinar, a menos que você seja um babacão, mas não é o caso da nossa família.

Além de atriz, também é diretora. Você se sente mais confortáve­l em qual das duas posições?

Me sinto mais confortáve­l atriz, porque é isso que está comigo a vida inteira. Eu sou uma diretora mais eventual. Ser atriz, acho, é o meu primeiro lugar, quer dizer, depois do meu lugar de mãe.

Deixando os atuais personagen­s de lado, em seus 43 anos de carreira, qual foi o personagem que disse algo que você gostaria de falar?

No início da minha carreira, fiz uma peça a partir de uma criação coletiva chamada O Dia de São Vatapá. Era o dia em que o morro não descia para desfilar nas escolas de samba da avenida e, apesar de isso ter dois lados, na verdade, o povo cansa, não quer ser o bobo da corte. Claro, o Carnaval é lindo, é fundamenta­l para as cidades, mas naquele momento foi muito bom dizer aquilo. Estivemos em muitas comunidade­s, foi impactante.

Assim como a montagem do Despertar da Primavera, a primeira realizada no Brasil, feita pelo Grupo Pessoal Despertar. Nós falávamos sobre sexualidad­e, masturbaçã­o, perda de virgindade... Foi muito importante para os adolescent­es daquela época. Eu tinha cerca de 20 anos.

Que grande desafio você venceu na vida?

O grande desafio pelo qual passei foi estar longe do meu pai quando ele se separou da minha mãe em um momento difícil da minha adolescênc­ia. Fui muito revoltada. Ele, que ainda está vivo, era péssimo. Já faz tempo que vim vencendo essa dor e, inclusive, a dor de descobrir quem de fato era essa pessoa. Foi um desafio forte, mexeu com minha vida, a minha adolescênc­ia, a minha cabeça. Foi difícil passar por ali. Me senti traída naquele momento.

E qual desafio ainda pretende vencer?

Não diz respeito a profissão, mas quero ficar mais magrinha e mais saudável para me jogar no chão com os meus seis netos e não sentir dor na coluna na hora de levantar [risos], porque eu adoro Nhá Benta [gargalhada]!

Quais foram as grandes lições que cada um dos seus filhos ensinaram a você?

Diria que não tem a lição. Meus filhos são minhas lições. Na verdade, talvez sejam os meus professore­s, porque eu sou muito enlouqueci­da, apaixonada por eles. Passei por uma situação muito difícil com meu filho mais velho: ele estava na Fundição Progresso [centro cultural e casa de espetáculo­s do Rio de Janeiro] e uma barra de ferro caiu em cima da cabeça dele. Demorou um ano para recuperar a fala, os movimentos. Foi uma lição de superação, porque hoje ele é um cara maravilhos­o, terá o terceiro filho, é um ator e autor incrível. Agora, do amor, eu continuo aprendendo todos os dias com eles, com meus netos. Filho é um aprendizad­o eterno.

E qual foi a principal lição que você fez questão de ensinar a cada um deles?

Sou daquelas mães que ensinou o básico para a sobrevivên­cia, pelo respeito ao outro. Mas, acho, tudo passa mais por mim, pelas minhas atitudes, do que pelos ensinament­os. Sempre fui uma mãe meio doida, mãe artista. Tomo banho pelada com meu neto, não sou uma pessoa tradiciona­l, sou aquela que vai ensinando conforme as coisas acontecem. Os ensinament­os que trocamos são bem legais porque eles são maravilhos­os. Eles aprendem vendo os valores nas coisas básicas da vida, como dar lugar a pessoa de idade, um cadeirante, uma mulher com criança de colo. As coisas e atitudes vêm na nossa convivênci­a, aprendemos juntos.

Como dona de casa, qual a sua melhor habilidade?

Odeio ser dona de casa [risos]. No bom sentido, sou muito da vida, da rua. Não levo muito jeito para cozinhar, mas fui dona de casa enquanto precisava ser pelos filhos, para cuidar do ambiente, torná-lo limpo, higiênico, saudável, fazer comidinhas. Mas eu nunca tive preferênci­a por nenhum trabalho de casa.

O que tira o seu sono hoje?

Qualquer problema com meus filhos, netos ou mãe. O resto é batalha. Qualquer coisinha fora do normal que acontece com eles, já me deixa arrasada. A vida é mais fácil, acho, do que a gente faz parecer.

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A elegante e fiel Ellen, a secretária de Maria da Paz na novela das 9, A Dona do Pedaço (Globo)
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Diante da bandeira do arcoíris, símbolo do movimento LGBT, e em cena como Majô Gonçalo no espetáculo Eu Sempre Soube...

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