Não seja aposto pra quem é OBJETO DIRETO na sua oração (*)
Às vezes, demora um pouco para nos darmos conta de que nosso papel na vida do outro era figuração. Que o diretor vai gritar “gravando”, mesmo se não estivermos no set. E o filme avançará enquanto ficamos ali, com nossa parte do texto decorada, sem ter para quem declamar. Descobrir que seu protagonismo existia apenas na sua versão da história é um tapa na cara, nada cenográfico, que faz acordar num susto. Ali está você, ainda tão travestido da personagem, que demora a entender que as frases apaixonadas em sua direção eram parte de um roteiro que foi editado. Depois do choque inicial, olhamos em volta e vamos recolhendo os pedacinhos de nós mesmos, aqueles com chance de reconstituição. E saímos de cena, meio envergonhados, mas certos de não sermos mais parte do cenário. Porque não dá para não ser nada para quem representa tudo. Dói, sim. Toda relação que termina causa dor. Por mais que a gente saiba que já era hora de o letreiro subir.
Dói a ausência, a decepção e até a constatação de que as lembranças serão só suas. E dói também a vergonha de ter acreditado que o sujeito era “nós” quando, na realidade, nunca foi além do “eu”. Logo você, que tinha revisitado a gramática e concluído que a oração “eu sou feliz” não era mais coordenada: agora exigia complemento para fazer sentido.
Toda relação que termina causa dor. Por mais que a gente saiba que já era hora de o letreiro subir. Dói a ausência, a decepção e até a constatação de que as lembranças serão só suas...
Enquanto vivia seu romance – que os gramáticos te perdoem –, ela tinha passado a ser subordinada. Tem filme que é assim mesmo: o final chega tão inesperado, que só nos damos conta do “the end” quando as luzes se acendem e somos surpreendidos com as lágrimas ainda escorregando, com a única certeza de que, desta vez, não vamos concorrer ao Oscar, mas que sempre teremos a chance em uma nova produção.
* Só para lembrar as aulas de português, aposto é o termo da frase que traz uma informação extra, mas completamente dispensável. Ou seja, na ausência, a vida continua. Já o objeto direto complementa o verbo transitivo. Sem ele tudo fica sem sentido.